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Chega ao Brasil romance de Olga Tokarczuk, polonesa ganhadora do Prêmio Nobel 2018

RIO — A escritora polonesa Olga Tokarczuk, Prêmio Nobel de Literatura de 2018 , é frequentemente descrita como uma ativista vegetariana e feminista de esquerda. A combatividade e a sensibilidade necessárias para tais tarefas são claramente visíveis em seu romance de 2009, “Sobre os ossos dos mortos”, recém-publicado no Brasil. O título vem de um verso do poeta inglês William Blake (1757-1827), também presente nas epígrafes de todos os capítulos do livro. Isso se explica porque a excêntrica narradora, professora aposentada de inglês e vice-campeã nacional de lançamento de martelo em 1971, faz da tradução de poemas uma de suas tantas atividades.

O livro de Tokarczuk começa como um romance policial: um cadáver é descoberto em uma casa isolada no interior da Polônia, uma região de neve, ventos e escuridão, na qual convivem alguns ermitões, muitos animais (tordos, cervos, besouros) e um grupo poderoso de caçadores. A protagonista e narradora, no entanto, não é uma detetive ou alguém ligado à lei. Janina Dusheiko é uma idosa robusta que ainda insiste em viver nesse lugar de difícil acesso e que, por conta disso, tem como uma de suas atividades cuidar das outras casas da vizinhança, ocupadas somente durante alguns meses do ano.

A presença dessa narradora, amante dos animais e astróloga de ampla experiência, suaviza o peso da trama detetivesca, que passa de um cadáver a outro até a resolução do “mistério” por trás das mortes. A revelação final do romance não chega a ser surpreendente, algo que mostra que Tokarczuk não está interessada em revisitar o gênero policial/criminal, e sim utilizá-lo como trampolim em direção a outras perspectivas. “Às vezes tenho a impressão de que vivemos num mundo que nós mesmos projetamos”, diz a sra. Dusheiko, e continua: “Determinamos o que é bom e o que é ruim, desenhamos mapas de significados… O problema é que cada um tem a sua própria versão, por isso é tão difícil as pessoas chegarem a um acordo”.

Liev Tolstói

O escritor russo Liev Tolstói Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Em 1901, no ano de estreia do Prêmio Nobel, a escolha do poeta francês Sully Prudhomme em detrimento de Liev Tolstói provocou um escândalo. Um grupo de artistas suecos chegou a escrever para o russo lamentando a decisão da Academia Sueca.

Marcel Proust

O escritor francês Marcel Proust Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Escrever uma das obras literárias mais importantes do século XX, “Em busca do tempo perdido”, não foi suficiente para que Proust ganhasse o Prêmio Nobel. Um dos motivos seria o fato do autor abordar temas polêmicos na época.

James Joyce

Grande influência de futuros vencedores, como Samuel Beckett e Saul Bellow, o autor de “Ulysses”, “Finnegans Wake” e “Dublinenses” sequer foi indicado ao Nobel, apesar do impacto dos seus trabalhos na literatura moderna.

Virginia Woolf

Só treze mulheres ganharam o Nobel e a escritora e ensaísta britânica Virginia Woolf, autora de “Orlando” e “Mrs. Dalloway”, não foi uma delas. A primeira mulher a ser agraciada foi a autora sueca Selma Lagerlöf em 1909.

Jorge Luis Borges

As polêmicas posições políticas do escritor argentino em apoio a ditadores na América Latina e na Europa o afastaram do prêmio. Borges costumava dizer, em tom irônico, que “esse pessoal em Estocolmo acha que já me deu um Nobel”.PUBLICIDADE

Paul Valéry

O poeta francês foi indicado Nobel 12 vezes entre 1930 e 1945, quando finalmente a Academia Sueca decidiu escolhê-lo. No entanto, Valéry morreu em julho e o prêmio foi para a poeta chilena Gabriela Mistral.

Vladimir Nabokov

Indicado ao prêmio em 1974, o autor russo-americano conhecido por seu romance “Lolita”, de 1955, perdeu para uma dupla de escritores suecos que, na época, fazia parte do comitê do Nobel.

Chinua Achebe

Um dos principais escritores da África, o autor nigeriano morreu em 2013 sem receber a láurea. Apenas quatro africanos receberam o prêmio, entre eles o seu conterrâneo Wole Soyinka, em 1986.

A ideia central do livro é que o mundo não é complexo apenas porque as pessoas são diferentes e apresentam umas às outras suas próprias “versões” do universo e da realidade, “mapas de significados” que nunca encaixam totalmente. Além disso, existem vastos continentes inexplorados no que diz respeito à experiência de cada um. Em “Sobre os ossos dos mortos”, Tokarczuk privilegia dois desses continentes, os animais e as estrelas. “Tudo está contido nos mapas astrais”, escreve a narradora. “Os menores detalhes. O mais importante é saber como ler todas essas informações”. E também: “Nós temos a visão do mundo, mas os animais têm a percepção do mundo”.

Por vezes, a história de Tokarczuk se assemelha a uma fábula — a geografia nevada, um vilarejo parado no tempo, animais que parecem emitir mensagens. Essa impressão nunca se desfaz, já que a narradora constantemente defende a ideia de que os animais se comunicam com os humanos, possuindo um senso acurado de justiça e companheirismo. Ao se relacionar intimamente com animais e estrelas, a sra. Dusheiko reitera um dos pilares da tradição literária ocidental, expresso de forma lapidar pelo Hamlet de Shakespeare: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”. A pretensão do ser humano em suas certezas e lógicas — que Tokarczuk simboliza no romance com o odioso grupo de caçadores —será, mais cedo ou mais tarde, esmagada pelo peso de tudo que desconhece.

A arte literária de Tokarczuk não diz respeito a um “espelhamento” realista do mundo. Ela não representa a realidade tal como é, mas reconfigura a realidade através da imaginação, mostrando — com ironia, compromisso e paixão — os caminhos desperdiçados e aquilo que permanece em suspenso, esperando sua vez.

Autora: Olga Tokarczuk. Tradução: Olga Baginska-Shinzato. Editora: Todavia. Páginas: 256. Preço: R$ 59,90. Cotação: Bom.

* Kelvin Falcão Klein é professor da Escola de Letras da UniRio

Fonte: O Globo

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