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Projeto brasileiro pretende mapear genoma de 15 mil pessoas para prever e tratar doenças

Um projeto liderado por uma cientista brasileira vai identificar as principais características genéticas dos brasileiros para prever doenças e antecipar tratamentos. Lançada nesta terça-feira (10), em São Paulo, a iniciativa “DNA do Brasil” quer mapear o genoma de 15 mil pessoas de 35 a 74 anos de idade e se tornar o maior levantamento do tipo já realizado no país. A ideia é que em cinco anos já se tenham os primeiros resultados.

“O desafio é entender quais variações genéticas estão associadas a quais características das pessoas”, disse a pesquisadora Lygia da Veiga Pereira, da Universidade de São Paulo (USP), na abertura do projeto. “Nós somos o resultado do nosso genoma mais o nosso estilo de vida. O genoma é a receita do nosso corpo.”

Projeto quer mapear o código genético dos brasileiros
Projeto quer mapear o código genético dos brasileiros

Além da geneticista, estão envolvidos na parceria o Ministério da Saúde, que oferecerá dados epidemiológicos da população brasileira por meio do projeto ELSA Brasil; e organizações privadas como a Dasa, empresa da área de saúde, que financiará e realizará o sequenciamento das primeiras 3 mil amostras; a Illumina, que vai fornecer os insumos; e a Google Cloud, que fará o armazenamento e proteção dos dados.

Simulação de molécula de DNA — Foto: Pixabay
Simulação de molécula de DNA — Foto: Pixabay

Inovação nos tratamentos

As descobertas que os cientistas fizerem poderão ser traduzidas em inovações tanto na área de pesquisa genética quanto nos diagnósticos e tratamentos de doenças como o câncer, a hipertensão, o diabetes, depressão, esquizofrenia e algumas doenças raras.

Por exemplo, ao descobrir que determinada proteína presente no corpo de uma pessoa permite manter o colesterol baixo, é possível “editar” o DNA do paciente para imitar o comportamento dessa proteína.

Um caso bem conhecido, e citado no evento de lançamento, é o da atriz Angelina Jolie. Após descobrir que o câncer de mama de sua mãe poderia ter origem genética, resolveu remover as mamas e fazer implantes, para evitar a manifestação da doença no futuro.

Angelina Jolie chega ao BAFTA, no Royal Albert Hall, em Londres — Foto: Hannah McKay/Reuters/Arquivo
Angelina Jolie chega ao BAFTA, no Royal Albert Hall, em Londres — Foto: Hannah McKay/Reuters/Arquivo

O estudo dos genes permite descobrir quais são as variantes genéticas associadas a determinadas características ou doenças. Entretanto, segundo a professora Lygia, é preciso compreender os elementos e riscos genéticos de cada população.

Por isso, ela defende que é preciso realizar o sequenciamento do povo brasileiro, que é fruto da grande mistura de povos indígenas, europeus e africanos.

O diretor médico da Dasa, Gustavo Campana, lembrou que 80% das 8 mil doenças consideradas raras têm origem genética. Já os cânceres hereditários são de 5 a 12% dos casos. Portanto, além da previsão de tais doenças, o mapeamento dos genes e sua associação com as características da população brasileira pode permitir avanços em “terapêutica gênica”, ou seja, métodos de tratamento que atuam diretamente nos genes – o mais famoso deles é o CRISPR, a técnica de edição do DNA.

“O primeiro desafio é conhecer melhor a genética da população, um povo extremamente heterogêneo”, disse Campana. “Esse projeto é um marco da genética populacional no Brasil.”

Parceria com o setor privado

Após o sequenciamento, será possível cruzar os dados sobre o DNA das pessoas com os dados sobre sua saúde. É aí que entra a parceria com o ELSA Brasil (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto), consórcio de diferentes instituições públicas que levanta dados epidemiológicos de mais de 15 mil pessoas de todo o país.

Num primeiro momento só serão estudados esses pacientes, pois para eles já existem informações detalhadas sobre seu histórico médico.

“Quero sequenciar pessoas sobre a quais eu conheça a saúde. É a combinação dos dados clínicos com dados genômicos que é poderosa”, disse Lygia da Veiga Pereira. “O ELSA é um banco de dados clínicos, morfológicos e sociais. Vamos agora somar a eles os dados genômicos.”

A empresa Dasa prevê investir US$ 2,5 milhões na primeira fase do projeto, que envolve a construção de uma plataforma para realizar o sequenciamento e a realização de 3 mil amostras. As outras 12 mil amostras também serão processadas pela Dasa, a um custo mais baixo que o de mercado, de US$ 650 por genoma.

Ainda está em andamento a negociação com outro financiador para a segunda etapa do projeto.

De acordo com a companhia, com o sequenciamento do genoma, os brasileiros “poderão usufruir dos avanços da pesquisa genética no dia a dia”. Além disso, “será possível reconstruir a sua história evolutiva e entender melhor as origens dos componentes ameríndio e africano.”

Políticas públicas

Segundo o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Danizar Vianna, as parcerias público-privadas prevalecem nos modelos de trabalho existentes pelo mundo na área de medicina preditória (aquela que busca prever as probabilidades das pessoas terem uma doença).

“Temos que nos preparar para o desafio genômico. O primeiro passo é esse mapeamento. Depois, temos que pensar em estratégias de intervenção na população”, afirmou o secretário no lançamento do projeto. Ele mencionou que as descobertas podem orientar novas políticas públicas de saúde.

“No Nordeste, por exemplo, há uma incidência maior de doenças raras, por causa dos casamentos entre parentes de primeiro grau. Há várias lacunas em políticas públicas nessas áreas”, declarou Vianna.

Uso dos dados

Assim como vários outros setores que se desenvolvem com o avanço da tecnologia, a genética também esbarra em alguns dilemas éticos. Questionados pelo G1 sobre como o projeto dialoga com as tendências atuais – como o uso e proteção dos dados pessoais daqueles que tiverem seu genoma sequenciado – participantes do lançamento disseram que tanto o consentimento quanto a segurança dos dados estarão garantidos.

“Os participantes serão bem informados sobre o uso dos dados”, declarou a Dra. Lygia. Ao firmar o termo de consentimento para que seu genoma possa ser sequenciado, o paciente também poderá escolher entre ser informado sobre os resultados do seu sequenciamento ou não. “Podemos descobrir coisas que a pessoa jamais irá imaginar. E alguns preferem não saber [que são predispostos a ter uma doença]”, explica.

De acordo com o pesquisador principal do ELSA Brasil, Dr. Paulo Andrade Lotufo, esse procedimento já ocorre entre os participantes do levantamento epidemiológico e simplesmente terá que ser complementado com o pedido para mapeamento genético. “As pessoas dão seu consentimento e podem sair a qualquer momento do projeto”, disse. “A ética do genoma muda dia a dia e estamos seguindo os parâmetros aplicados no mundo todo.”

Quanto ao armazenamento dos dados, a Google Cloud afirma que os pacientes terão suas informações pessoais protegidas e somente os pesquisadores terão acesso aos dados genéticos. Nem mesmo os funcionários do Google terão os meios para visualizá-los, segundo a empresa.

“Ainda assim, está garantida a anonimidade. Posso trabalhar com o DNA da pessoa e não saber quem é”, explicou a líder do projeto.

Por G1

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