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Dicas de harmonização com peru de Natal

Os sommelierscostumam receber de presente nesta época do ano a difícil tarefa de eleger vinhos para harmonizar com a nossa típica ceia de natal. Entre os pratos mais emblemáticos das comemorações natalinas, sem dúvida o peru assado é o mais onipresente, embora as formas de prepará- lo variem de região para região, ou, mais precisamente, em cada família.

A ave assada não é desafio para nenhum enogastrônomo. Seus sabores de caráter marcado, ainda que não particularmente intensos, com boa hidratação, se a cocção for pontual e uma leve tendência ao doce, convidam à presença de tintos de média estrutura, com equilíbrio pautado pela presença de taninos bem resolvidos e acidez agradável, já com alguma complexidade, sem excesso de calor alcoólico.

Penso primeiramente num Pinot Noir, melhor se for do Velho Mundo, como um Borgonha de média fatura no estilo de um Savigny-Les- Beaune, ou um suculento tinto do Loire, quem sabe até um maduro e elegante cru bourgeois do baixo Médoc, sempre falando na França. Os tintos portugueses do Douro – não os mais poderosos e barricados da nova escola – também se mostram muito bem com a macia carne do peru, e na vizinha ibérica, são muito recomendáveis os tintos jovens e crianzas da Rioja e de Navarra. Na Itália as alternativas apontam mais para o Norte, como um bom Valpolicella Classico ou um vibrante Barbera da escola mais tradicionalista. Vinhos brancos não estão excluídos, um bom Borgonha é uma opção sensata.

Os óbices começam a aparecer quando surgem os acompanhamentos do peru, que vão de castanhas cozidas ou glaçadas, frutas frescas e assadas, geléias, fios de ovos, farofas com frutas cristalizadas e muitas outras iguarias de tumultuado diálogo com o vinho. Estes sabores adocicados desenvolvem uma parceria interessante com o peru assado, mas deslocam o eixo de harmonização dos tintos do Velho para o Novo Mundo, logicamente com algum raio de manobra. Nesse caso, a harmonia exige mais do seu autor e restringem-se mais aos vinhos dotados de equilíbrio plenamente voltados à maciez do álcool e da glicerina, triunfantes sobre a dureza dos taninos e da acidez.

A explicação técnica é que estas frutas e castanhas estão na zona de transição entre a “tendência ao doce”, que aceita um vinho simplesmente com bom frescor, e a “doçura” propriamente dita, que requer um vinho já no mesmo nível de sensação saporífera de doçura. Os tintos clássicos europeus, com sua tendência de equilibrar para o lado da dureza, ficam ainda mais duros e às vezes até magros, acídulos e metálicos no confronto com estes adereços do peru, ao passo que alguns tintos californianos, argentinos, chilenos e australianos de Zinfandel, Syrah, Pinot Noir ou Malbec, com dotes particulares de maciez alcoólico-glicérica, carregam bem esses sabores. Tente os tintos do Novo Mundo das linhas básicas ou intermediárias dos seus produtores prediletos para não incorrer no risco de ter um vinho extraído em excesso ou com carvalho demais, e verá que a ciência enogastronômica realmente funciona! No que tange aos brancos, a presença das frutas clama pela untuosidade e exuberância de um Chardonnay ou de um Viognier, arquétipos do Novo Mundo, e certamente um Pinot Gris ou um Gewurztraminer da Alsácia não jogariam para perder.

Espumantes secos estariam fora de propósito neste contexto de tamanha doçura. Quem não abre mão, todavia, das bolhinhas neste momento celebrativo tão especial, pode desarrolhar a sua Champagne safrada escondida no fundo da adega, de forma a preparar os sentidos para ceia e estourar algumas garrafas de Asti Spumante com as sobremesas, este sim a própria essência do natal: tenro, doce, alegre e familiar.

Guilherme Corrêa – Sommelier, Revista Adega
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