A uva, uma variação da Sangiovese, é um dos motivos que fazem o Brunello um dos ícones entre os vinhos italianos
No Toscana está a região de Brunello di Montalcino, um dos grandes terroirs do mundo do vinho
Uma mera menção ao nome já causa alvoroço entre os enófilos. Dos iniciantes aos mais experientes, não há quem fique indiferente diante de uma garrafa do que muitos consideram um monumento italiano. Um vinho criado para ser grandioso.
É curioso, mas Brunello di Montalcino, apesar da fama, é um fenômeno bastante recente na cena vitivinícola mundial. Apesar de o vinho já ser produzido há séculos, a Denominação de Origem só foi criada em 1966. E mais do que isso, o prestígio da região só surgiu dos anos 1980 para cá.
A história do Brunello di Montalcino como conhecemos hoje inicia no final do século 19, quando a região, assim como outras tantas no mundo, estava prestes a passar por um período de provação após o ataque da filoxera.
Um viticultor chamado Ferruccio Biondi Santi teve seus vinhedos devastados. Mas, ao contrário de seguir a tendência naquela situação de crise (fazer algo rápido e fácil para gerar dinheiro com vinhedos recém-plantados), ele queria selecionar a melhor casta para criar um tinto longevo.
A pequena Montalcino com pouco mais de 5.000 habitantes
Analisando estudos sobre as uvas toscanas ele descobriu um vinho produzido a partir da casta conhecida como Brunello – ou Sangiovese Grosso – de 1843, que possui suas características imutáveis mesmo após mais de 30 anos de guarda. Era um sinal.
Ferruccio apostou no Brunello.
Para fazer o vinho, ele ainda utilizou uma longa fermentação e, diante de um mosto tão concentrado, deixou-o longo período – literalmente décadas – envelhecendo tanto em grandes tonéis de carvalho quanto posteriormente em garrafa.
Suas experiências deram certo e em 1932, ele chegou a ser descrito como o inventor do conceito Brunello di Montalcino.
Cantina da vinícola Caprili, um dos grandes produtores da região
“Desde sempre minha família utilizou uvas da sua propriedade, nunca colocou leveduras selecionadas e previu maturação em grandes botti de carvalho da Slavonia para tornar a evolução o mais natural possível sem a utilização de elementos externos que pudessem, de alguma forma, acelerar esse processo”, conta Jacopo Biondi Santi, herdeiro da família.
Durante anos, porém, os Brunellos (ou Brunelli, no plural em italiano) permaneceram como uma raridade. Além de ser um vinho mais complexo, poucos tinham acesso a ele devido ao preço altíssimo, resultado de pequena produção e tantos e tantos anos de maturação.
Essa situação começou a mudar na década de 1960, quando a DOC Brunello di Montalcino foi estabelecida. Em 1966, criaram-se as regras para a obtenção desse vinho e em 1980, a região foi alçada à categoria DOCG (Denominação de Origem Controlada e Garantida), a primeira da Itália. Nesse período de pujança econômica americana, Brunello se tornou sinônimo de sofisticação e apareceu na mesa de celebridades mundiais, desde grandes empresários até artistas, que se deixaram seduzir pelo poderoso e longevo vinho toscano.
Mas o que faz com que o Brunello di Montalcino um vinho tão singular? Seria o clone diferente do usado em outras áreas?
Colheita da uva Brunello na vinícola Castello Banfi
Giacomo Bartolommei, enólogo da Caprili, famosa produtora da região, explica: “A Sangiovese usada em Montalcino é um clone diferente da utilizada em outras áreas vitícolas. A diferença está muito na pele, muito rica em antocianinas, por isso mais grossa”.
No entanto, todos os enólogos fazem questão de apontar que o grande diferencial do Brunello di Montalcino não se resume à uva, mas sim ao seu terroir. “A principal diferença é, definitivamente, o terroir”, atesta o enólogo Massimo Bracalente.
Então, para entender o vinho, é preciso entender a região e a singularidade de Montalcino.
A cidade é uma fortaleza, que durante séculos foi assediada por povos vizinhos. Ela fica cerca de 40 quilômetros do mar e a zona produtora é ainda delimitada por três rios. Cerca de 15% dessa área (aproximadamente 3.600 hectares) são ocupados por vinhedo, sendo aproximadamente 2.100 hectares sob a denominação Brunello di Montalcino e o restante para outras denominações como Rosso, Moscadello, Sant’Antimo e outros vinhos.
Ao sul, o monte Amiata impede que as tempestades de verão cheguem, dando um tom ainda mais seco à região, que concentra suas chuvas no outono e na primavera. No inverno, a neve só atinge locais acima de 400 metros. As colinas medianas onde estão os vinhedos raramente são afetadas pela neblina ou geada, devido à presença frequente do vento.
As colinas são parte importante do terroir da região
“Em comparação com outras áreas da região central da Itália onde é cultivado Sangiovese, Montalcino tem um clima ideal que não é encontrado em outros lugares. Na verdade, é quente o suficiente para a produção de uvas perfeitamente maduras, mas não tão quente para encurtar o ciclo vegetativo”, explica a produtora Donatella Cinelli Colombini. “A inclinação do solo e o clima seco e ventilado permitem obter uvas completamente maduras e perfeitamente saudáveis, e isso é impossível em altitudes mais baixas, úmidas e nubladas, como, por exemplo, a Romagna”, finaliza.
Este terroir diferenciado traz um diferencial para as uvas e leva a uma das principais qualidades do Brunello di montalcino, sua longevidade.
“A principal qualidade dos meus Brunellos são a longevidade”, simplifica Jacopo Biondi Santi, que aponta uma guarda de 30 a 50 anos para seus vinhos, mas diz que ainda têm duas garrafas de 1888 e cinco de 1891, feitas por seu avô Ferruccio, que ainda estão em perfeito estado.
E a principal razão para o Brunello di Montalcino ter o gigantesco potencial de guarda é sua acidez. “Muitos fatores afetam a longevidade, mas não tanto quanto a acidez, que pode ser comparada à nossa espinha dorsal, ou seja, sem ela, não se fica de pé. ”, diz Bartolommei.
A uva Brunello, também conhecida como Sangiovese Grosso, é a estrela da região
E conseguir que as uvas atinjam a concentração perfeita de ácidos está sendo justamente o maior problema dos produtores. “Hoje, os vinhos são produzidos com menos acidez e um pH mais elevado, isso é devido à mudança climática (muito mais quente) ”, resume o enólogo Massimo Bracalente.
Por mais que mudem as técnicas, a essência do vinho parece não mudar com o tempo. Um perfume limpo, equilíbrio e elegância. Segundo Massimo Bracalente, essas são as qualidades básicas de todos os Brunellos. “Nosso maior desafio é continuarmos a ser os mesmos, resistindo à tentação de seguir a moda”, diz.
Dicas para apreciar seu Brunello di montalcino em toda sua plenitude
- Procure saber se a safra escolhida está no ponto para ser degustada. Lembre que estamos falando de vinhos que não estão prontos antes de pelo menos 10 anos de guarda.
- Feita a escolha certa, recomenda-se que um Brunello fique até 8 horas em decanter para que o vinho abra, especialmente os mais jovens.
- A temperatura também é fator importante: o Brunello é melhor apreciado entre 18º e 20ºC.
- Para harmonizar, busque carnes, melhor ainda as de caça. Os tons terrosos do vinho também harmonizam com funghi e trufas.
- Queijos potentes, como Pecorino e outros bem curados, são acompanhamentos interessantes.
Por Revista Adega