Fala, escrita, imagem e gestos são as principais formas que as pessoas utilizam para se expressar. Toda a comunicação se baseia nisso, mas em determinados momentos é difícil dizer o que se pensa. Parece não existir palavra para expressar um sentimento. Essa sensação tem atingido muita gente com a pandemia provocada pelo coronavírus. Na tentativa de oferecer uma ferramenta para lidar com isso e atravessar esse período surge A Palavra no Agora, iniciativa do Museu da Língua Portuguesa, instituição ligada ao governo do Estado de São Paulo. O projeto virtual foi lançado no início de julho e até agora mais de 80 pessoas já participaram.
A proposta consiste em estimular o público a refletir sobre esse momento conturbado a partir de exercícios de escrita. Hoje, sentimentos como insegurança, medo e saudade são quase universais, e lidar com eles é ainda mais difícil quando o convívio com os entes queridos e os rituais tradicionais de luto são impossibilitados. Assim, quem navega pelo site do projeto é estimulado a refletir e a escrever sobre o que está sentindo de várias formas. “Se fosse um sabor, do que seria? Se fosse uma música, como seria?” Pessoas de todas as idades e regiões podem participar.
De acordo com Marília Bonas, diretora técnica do IDBrasil, organização social de cultura que gerencia o Museu da Língua Portuguesa, no momento de perdas físicas e simbólicas que vivemos, refletir e escrever sobre isso podem ajudar. “Na ausência do acolhimento físico, do contato, o que nos une hoje são as palavras – ditas e escritas”, afirma ela no texto de divulgação liberado pelo museu.
Ainda segundo Marília, apesar de ter começado a partir da constatação dos múltiplos prejuízos causados pelo coronavírus, o objetivo é que o projeto não se resuma a algo momentâneo e siga em constante construção. “A ideia é que as novas urgências que vivemos sejam incorporadas, tendo como base a potência das palavras”, acrescenta ela. Os exercícios propostos podem ser feitos por qualquer um, mesmo por quem nunca escreveu. E os que quiserem ainda podem enviar seus textos para que sejam compartilhados no site, como forma de homenagear ou ajudar outras pessoas.
Os registros são livres, podendo ser feitos em prosa, poesia ou mesmo através de frases soltas. A Carla Borges de Luxemburgo, por exemplo, escreveu um poema sobre o medo intitulado Escudo. “Do lado de lá do medo está a vida”, diz ela em uma das estrofes, e “o escudo é o cuidado”, completa. Já Thaís Lopes, de Bragança Paulista (SP), optou por contar uma história sobre lembranças. “Pela primeira vez notei que o tempo consola, pois torna menos dolorida a saudade. Mas, em contrapartida, desola, pois torna menos certas as memórias”, escreve ela em Três por Quatro.
Para aqueles que não querem se identificar também existem as opções de publicar o texto sob um pseudônimo, apenas com suas iniciais ou de forma totalmente anônima. É o caso da pessoa que se identificou como Reflexões de Uma Sonhadora M.H, de São Paulo, autora de Devaneio. “Assim me sinto por dentro: uma força que já está abalada, uma voz tão fraca que parece um silêncio, um grito calado de alguém despedaçada”, desabafa M.H.
Além da categoria Escritos do Público, onde esses textos se encontram, o site ainda conta com outras duas partes para debater mais sobre a experiência humana em toda sua forma. Resenhas é um espaço onde as pessoas também podem falar sobre livros, filmes e séries que as têm ajudado a passar por esse período. E Alento na Literatura é dedicado aos textos de importantes autores brasileiros, como Euclides da Cunha, Lima Barreto e Machado de Assis, que através de suas histórias e personagens ensinam sobre as expressões dos mais diversos sentimentos.
Outras informações sobre A Palavra no Agora e como participar do projeto estão neste site.
Por Jornal da USP