por Marcel Miwa
Quando comentamos sobre vinhos, geralmente ouve-se sobre taninos. Mas, afinal, que é esse tal tanino no vinho?
Tecnicamente, o tanino corresponde a um grupo de compostos fenólicos que tem como principal característica a afinidade em se ligar à cadeias de proteínas e precipitá-las. Encontrados principalmente nas partes lenhosas, “nas folhas e em frutos não maduros de muitas plantas, eles atuam como instrumento de defesa. Quando um predador começa a ingerir partes de uma planta, as células vegetais rompidas liberam os taninos, que possuem sabor amargo e provocam grande adstringência, causando repugnância ao predador.
Tanino nas uvas
Nas uvas, os taninos encontram-se principalmente nas cascas, sementes e engaços – os cabinhos da uva. Assim como os açúcares da uva, eles também passam por um amadurecimento e, conforme se atinge esta maturidade, perdem agressividade, tornando-se macios e sedosos.
Dentre as uvas viníferas, geralmente, quanto mais grossa a casca, maior a quantidade de taninos a serem extraídos. Este é o caso da Cabernet Sauvignon, Tannat, Nebbiolo, Baga, Petit Verdot, Sangiovese Grosso; só para citar algumas. No extremo oposto estão variedades de cascas mais finas, que dão origem a vinhos de estrutura mais leve e textura delicada. As variedades Pinot Noir, Gamay se enquadram nesta tipicidade.
Os taninos das uvas são classificados como condensados ou proantocianidinas. A outra classificação a qual eles podem pertencer é denominada taninos hidrolisáveis ou elagitaninos, e correspondem aos que são extraídos da madeira do carvalho. Cada um possui uma natureza diferente e, embora ainda não mapeado cientificamente, desencadeiam uma série de reações distintas no vinho.
A maturação dos taninos, além do acompanhamento dos níveis de açúcares e acidez, é o fator chave para se decidir o momento ideal da colheita da uva, atualmente.
Tanino no vinho
A vinificação talvez seja o momento mais importante para analisar os taninos que encontramos nos vinhos.
Quase todas as etapas de vinificação influenciam na tanicidade do vinho: maceração pré-fermentativa, medida do tanque de vinificação, temperatura e tempo de fermentação, forma de “romper” o chapéu, passagem por barricas de carvalho, maceração pós-fermentativa, micro-oxigenação e filtração/clarificação são as principais fases que possuem relevância na extração dos taninos.
É importante fazer a ressalva de que estamos tratando de tintos. Os brancos apresentam quantidades muito inferiores de taninos, uma vez que a fermentação se dá, via de regra, sem a presença das partes sólidas das uvas, de onde se extraem a maior parte dos taninos.
Taninos em cada etapa de vinificação
Em linhas gerais, seguimos com a descrição da forma que cada uma das etapas de vinificação citadas podem influenciar na extração dos taninos para o vinho:
Maceração pré-fermentativa
Esta técnica corresponde ao contato das cascas das uvas com o mosto ainda não fermentado. Uma vez que as uvas são prensadas, deixa-se o mosto em contato com as cascas em ambiente com baixa temperatura. Desta forma, consegue-se extrair mais compostos aromáticos, sem uma excessiva extração de taninos.
Tanques de fermentação
O tamanho e o formato são relevantes para se verificar uma maior ou menor aptidão para extrair compostos das partes sólidas. De maneira simples, quanto maior a relação largura/ altura, maior será a superfície de contato entre o mosto e os sólidos, portanto, maior a aptidão para se extrair os taninos.
Temperatura e tempo de fermentação
Via de regra, quanto maior a temperatura de fermentação, maior será a extração dos componentes das cascas. Assim, logicamente, quanto maior o tempo de contato do mosto com os sólidos das uvas, maior será também a extração dos taninos. Com o calor, as células vegetais se rompem, liberando mais facilmente todos os seus extratos. Neste caso, a parcimônia é fundamental: calor excessivo pode matar as leveduras, acelerar reações químicas, inclusive da acetificação (avinagrar) e provocar a volatilização de muitos compostos aromáticos.
Forma de “romper” o chapéu
Com o início da fermentação, o CO2 produzido impulsiona toda a massa sólida para a parte superior do recipiente de fermentação. Com o intuito de maximizar o contato dos sólidos com o líquido, existem várias formas para aumentar a interação destas duas partes. Duas das principais são: a remontagem e o pigeage.
Na primeira (remontagem), drena-se o líquido na parte inferior do tanque, através de bombeamento ou meios gravitacionais, e é feito seu transporte até a parte superior, onde promove-se uma espécie de “rega” do chapéu. O líquido regado, atravessa lentamente a barreira sólida extraindo todos os seus componentes.
Na segunda (pigeage), utiliza-se uma ferramenta chamada pigeou, um largo disco com longo cabo, que promove a imersão da massa sólida na parte líquida. Em alguns casos, abdica-se das ferramentas para utilizar o próprio pé humano, como no caso da pisa a pé, nos tradicionais vinhos do Porto.
Barricas de carvalho
Barricas de carvalho agem nos taninos de duas formas. A primeira maneira (que será pormenorizada mais adiante neste artigo), é a microoxigenação. Os poros do carvalho permitem uma leve penetração de ar, que ajuda na polimerização dos taninos e na formação de polímeros pigmentados (reação entre taninos e antocianinas).
A segunda forma é aportando mais taninos ao vinho. A madeira do carvalho também é rica em taninos (tão rica que as próprias tábuas de carvalho devem passar por um envelhecimento, em torno de três anos, para que percam um pouco dos taninos, bem como a umidade). Seus taninos são de natureza diferente dos da uva. Os do carvalho, chamados de elagitaninos ou taninos hidrolisáveis, também são particularmente solúveis em álcool e água. Uma vez que o vinho entra em contato com a parede da barrica, principalmente as de primeiro uso, ocorre a extração dos elagitaninos que passam a integrar o fermentado, dando um maior suporte estrutural.
Maceração pós-fermentativa
Ao contrário da pré-fermentativa, o que se busca neste caso é justamente uma maior extração de taninos. Taninos são facilmente solubilizados em meios alcoólicos. Uma vez encerrada a fermentação, prolongase o tempo que o mosto fermentado permanece em contato com as cascas para uma maior extração de taninos e antocianos.
Micro-oxigenação
Consiste na técnica de aplicar um pequeno volume de gás oxigênio ao vinho já fermentado, numa proporção média de 1 ml de oxigênio por litro ao mês. Seria uma forma de emular a leve aeração que as barricas de carvalho permitem, tornando os taninos mais macios e o vinho mais estável. Normalmente, esta técnica é utilizada para fermentados ricos em taninos e antocianinas, para que se tornem mais estáveis e mais palatáveis ao degustador que prová-los ainda jovens.
Filtração e clarificação
Há muitos tipos de filtros utilizados na vinificação, no entanto, os objetivos são coincidentes: retirar micropartículas que podem comprometer a qualidade ou a apresentação do vinho.
Por exemplo, em vinhos engarrafados com açúcares residuais, a filtração é particularmente utilizada para retenção de leveduras e bactérias, que poderiam continuar agindo no vinho mesmo após o engarrafamento. Quanto aos taninos, caso a filtração seja muito intensa e rigorosa, parte poderá ficar retida nas membranas dos filtros, já que se tratam de cadeias moleculares longas. Além disso, a intensa agitação contida neste processo pode acelerar reações químicas envolvendo os taninos.
A clarificação é o processo que visa a separação de partículas sólidas e visíveis no vinho. Ela pode se dar por meios físicos, como a simples decantação (estamos falando da produção e não a decantação que se pode realizar no momento da degustação), ou pela ação de agentes externos. Estes agentes de afinamento normalmente são ricos em proteína, como o caso da clara de ovo, tradicional fator de afinamento. Considerando a principal característica dos taninos, de unir e precipitar proteínas, este processo também é utilizado para eliminá-los dos vinhos.
Taninos enológicos
São assim chamados os taninos industriais. Quando o enólogo julga que seu mosto ou vinho está com o conjunto carente de taninos, pode-se recorrer a estas preparações de tanino comerciais, que podem ser extraídos de inúmeras espécies de plantas. Embora se trate de tema polêmico, muitos produtores admitem seu uso, e estamos falando de grandes nomes da Borgonha, Bordeaux, Califórnia e Austrália (provavelmente de muitas outras regiões também).
Até o momento não existem pesquisas científicas que indiquem alguma diferença organoléptica entre taninos industriais e os naturais da uva. Tratase também de uma questão filosófica: os intervencionistas defenderiam que, se fosse para obter um vinho de melhor qualidade, seria válido; enquanto os puristas afirmariam que estariam deturpando a essência do fermentado.
Envelhecimento do vinho
Cientificamente, ainda pouco se sabe sobre as reações ligadas aos taninos durante seu envelhecimento em garrafa. Como exemplo, pesquisadores da Universidade da Califórnia não constataram nenhuma redução nos níveis de tanino num vinho de Napa Valley analisado na época do engarrafamento e novamente após envelhecido três anos.
Sabemos que a atuação dos taninos como antioxidante (aliás, o principal flavonol precursor dos taninos, a catequina, possui efeitos análogos ao resveratrol: captar radicais livres), proporcionam uma maior longevidade ao vinho. No entanto, o resultado de suas reações com as antocianinas (pigmentos) e a produção de novos compostos aromáticos ainda não é conhecida totalmente.
Degustação
Taninos, quando maduros, não possuem cheiro ou sabor. Citamos maduros, pois, quando verdes, podem estar associados a aromas excessivamente herbáceos e sabor amargo. A principal forma de avaliar taninos é pela textura. Devido à propriedade de precipitar proteínas, a sensação de adstringência e secura na boca nada mais é que os taninos precipitando a saliva, que é rica em proteínas.
Quanto mais maduros forem os taninos, menores serão os sintomas de adstringência e agressividade. Taninos maduros podem ser descritos como dotados de textura aveludada, como se o vinho contivesse inúmeras micropartículas sólidas, que não provocam nenhuma aspereza na boca, apenas contribuem com volume e peso.
Pesquisadores da AWRI (Australian Wine Research Institute) concluíram que os taninos da semente da uva são os mais agressivos e adstringentes, assim como os polissacarídeos (açúcares) diminuem sua sensação de adstringência.
Sob o aspecto gustativo, poderíamos dizer que os taninos atuam como a fundação de um prédio, enquanto os aromas representariam sua fachada. A beleza da fachada do prédio é imediata e evidente, assim como a exuberância dos aromas. Por outro lado, sem uma fundação adequada, o prédio não se sustenta, bem como os taninos dão coerência ao conjunto, acompanhando os imponentes aromas de uma sólida e harmoniosa estrutura em boca.
Tanino ou não tanino?
O perfil tânico de um vinho depende de inúmeros fatores, como variedade da uva, condições de safra e o trabalho do enólogo. Mais uma vez o fator chave é a coerência. Não se espera que um Beaujolais tenha uma estrutura tânica portentosa, tampouco que um Barolo não possua uma boa estrutura. Ainda assim, nos depararemos com algumas dúvidas, como provar um Borgonha de uma safra considerada difícil e encontrarmos uma belíssima estrutura tânica com um conjunto equilibrado. Será o caso de adição de taninos enológicos? Ou um trabalho acima da média deste produtor? Terá esta determinada comuna gozado de condições climáticas mais favoráveis que o resto da região? Estas dúvidas provocam um mergulho cada vez mais profundo neste instigante mundo do vinho.
Por Revista Adega