Em algum dia de janeiro de 1840, o capelão francês Louis Comte pegou seu daguerreótipo – uma espécie de aparelho precursor da máquina fotográfica –, apontou em direção ao chafariz do Mestre Valentim, no Jardim do Paço Imperial e clicou.
Pronto – o primeiro registro fotográfico da cidade do Rio de Janeiro acabava de ser feito.
A imagem foi captada de uma das janelas do quarto andar da hospedaria Pharoux – antigo hotel demolido em 1959 para a construção do também já inexistente Viaduto da Perimetral. O capelão não sabia, mas havia acabado de entrar para a história visual da cidade.
A história desse registro é uma das muitas contadas em “O Oriental-Hydrographe e a fotografia”. Editado pelo Centro de Fotografia de Montevidéu com o apoio do Instituto Moreira Salles (IMS), o livro será lançado nesta quinta-feira (16), no próprio IMS, na Gávea.
Resultado de 20 anos de pesquisa da historiadora Maria Inez Turazzi, a obra mostra a saga do navio francês que deveria ter dado a volta ao mundo mas que, por conta de uma série de problemas internos, jamais concluiu a viagem.
“A ideia original da viagem do Oriental-Hydrographe era proporcionar uma experiência em alto mar para jovens da elite francesa. No entanto, houve problemas desde o início: muitos desistiram logo nos primeiros dias. Também aconteceram desavenças entre a tripulação. Houve até registro de duelos dentro do navio. Por fim, a embarcação naufragou em Valparaíso, no litoral do Chile”.
Antes disso, porém, o navio passou pelo Brasil – e foi nesse momento que a história da viagem cruzou com a do Rio de Janeiro.
Os tripulantes traziam cinco daguerreótipos a bordo. Um deles era usado por Louis Comte, capelão do navio. Durante a permanência em terras cariocas, ele se hospedou no Hotel Pharoux, de onde fez a foto.
“O daguerreótipo havia sido inventado apenas cinco meses antes, por Louis Daguerre – foi o primeiro meio de registro fotográfico de grande difusão popular. Logo após tirar a foto, o capelão e outros integrantes da viagem, que também fizeram registros da cidade, levaram as imagens a Dom Pedro II. Eles entregaram os registros e os aparelhos ao monarca, como uma forma de presenteá-lo. Atualmente, essa imagem original faz parte de uma coleção particular, em São Paulo”.
A versão presente no livro é uma reprodução em negativo de vidro feita pelo fotógrafo Marc Ferrez, na década de 1880.
Em artigo publicado na edição de 17 de janeiro de 1840, o Jornal do Commercio descreveu o espanto causado pela utilização do aparelho – à época, o que existia de mais sofisticado no que se referia a registro de imagens .
“É preciso ter visto a coisa com os seus próprios olhos para poder fazer ideia da rapidez e do resultado da operação. Em menos de nove minutos, o chafariz do Largo do Paço, a Praia do Peixe, o Mosteiro de São Bento e todos os outros objetos circunstantes se acharam reproduzidos com tal fidelidade, precisão e minuciosidade, que bem se via que a coisa tinha sido feita pela própria mão da natureza e quase sem intervenção do artista”, afirmou o texto.
Outros detalhes da foto chamaram a atenção da historiadora.
“Tudo nessa fotografia é muito nítido – essa alta visibilidade se deve à luminosidade do Rio, uma cidade que sempre foi muito clara, muito solar. Além disso, quando observamos com atenção o lado esquerdo da imagem, notamos as duas torres da Igreja da Candelária, ainda sem a cúpula – ambas visíveis por conta da ausência de prédios. Também é possível ver, atrás do chafariz, a construção em arcos que ia até a beira da Baía de Guanabara, onde hoje há a Praça 15”.
Por G1 Rio