A intensidade da vida dos jovens, suas paixões, desejos e atitudes transgressoras são o destaque da nova mostra de filmes do Cinema da USP Paulo Emilio (Cinusp), intitulada Juventude Trans-Viada, que começou no dia 14 passado e se estenderá até 17 de abril. A mostra apresenta dez filmes produzidos no Brasil e no exterior que retratam personagens, em sua maioria LGBTQIA+, preocupados em se tornar “agentes da sua própria juventude”, como cita a curadoria do evento em texto publicado no site do Cinusp. “A vivência entre amigos, a autodescoberta, a identificação, a irreverência e a extrapolação dos limites são tônicas presentes nesta mostra.”
Exemplo dessa vivência entre amigos típica da juventude é o filme A Festa e os Cães (Brasil, 2015, 25 minutos), um dos dez filmes presentes na mostra. Dirigido por Leonardo Mouramateus, que utiliza imagens de festas e passeios capturados por sua câmera pessoal, o filme mostra as transmutações sofridas por um grupo de amigos ao longo do tempo. “Evoca sentimentos de melancolia e frustração ao mesmo tempo em que deixa transbordar em suas imagens a singela beleza imbuída no ato de ser quem se é e de amar quem se ama”, destaca a sinopse divulgada pelo Cinusp.
Em Peixinhos Dourados na Piscina (Japão, 2017, 28 minutos), de Makoto Nagahisa, outro filme da mostra, quatro garotas colocam 400 peixinhos dourados na piscina de uma escola. “Garotas entediadas em uma cidade pacata no Japão procuram formas de se sentirem vivas. Através de uma montagem irrequieta e narrações que se misturam de forma dinâmica com as imagens, há a procura e desejo de subversão de um cotidiano repetitivo”, segundo a sinopse do curta.
Já Eu Não Quero Voltar Sozinho (Brasil, 2010, 17 minutos), de Daniel Ribeiro, aborda o relacionamento entre Leonardo, um jovem com deficiência visual, e seu colega de escola Gabriel. “Os dois, juntos, passam pela descoberta de sua sexualidade”, acentua a sinopse do filme. “Da trilha sonora lúdica às sequências divertidas de Gabriel, Leonardo e Giovana voltando da escola, o curta brinca com uma noção de primeiro amor como aquilo que existe de mais inocente na adolescência. Acompanhamos Leonardo lentamente se apaixonar, e aos poucos entender sua própria sexualidade.”
Após uma garota trans ser punida pela escola por usar o banheiro feminino, um grupo de amigos se rebela contra as normas sociais do colégio. Essa é a história de Kiki e os Desajustados (Estados Unidos, 2018, 6 minutos), com direção de Natália Leite. “Kiki e seu grupo de amigos se consideram desajustados e fora dos padrões da sociedade. Juntos, esses jovens procuram viver intensamente e subverter costumes enraizados numa sociedade retrógrada.”
Transgressão das normas sociais está presente também em Um Dia com Uma Linguiça (Estados Unidos, 1984, 15 minutos), dirigido por Ingrid Wilhite. Nele, uma garota brincalhona cruza a Castro Street, em São Francisco, na Califórnia – reduto da comunidade gay -, com uma linguiça dentro de sua calça e acaba num grupo de lésbicas da cidade. “Sem nenhum diálogo, o curta é embalado por uma trilha sonora efervescente que marca seu tom pop-punk, típico dos anos 80. Questionando gênero, moda e amizade, Ingrid Wilhite cria uma obra jovial em sua essência – inquieta, política e divertida.”
A mostra do Cinusp traz uma produção da extinta Tchecoslováquia. Trata-se de Saco de Pulgas (1962, 43 minutos), sob direção de Věra Chytilová. O filme se passa num internato comunitário de uma fábrica na então Tchecoslováquia. “A audaciosa câmera-personagem que acompanha o internato nos apresenta um ambiente marcado pela opressão e repressão dos desejos mais primários da juventude – brincadeiras e uma simples espiada em rapazes são motivos de broncas”, destaca a sinopse da obra. “A ânsia de transgressão é simbolizada pela personagem Jana, que a câmera subjetiva busca frequentemente e recebe olhares ambíguos e sugestivos durante todo o filme. O ‘saco’ simboliza o espaço limitante do internato e os momentos de libertação se dão somente nas sequências externas. Um marco do cinema tchecoslovaco e da obra de Věra Chytilová, tão subversivo quanto Zéro de Conduite, de Jean Vigo.”
Um cenário ao mesmo tempo apocalíptico e sensível aparece em Os Últimos Românticos do Mundo (Brasil, 2020, 23 minutos), de Henrique Arruda. O filme traz a história de Pedro e Miguel, que, com o mundo prestes a ser extinto por uma nuvem rosa, buscam refúgio um no outro. “Com uma estética retrô, simulando antigos clipes e filmes dos anos 80, o filme cria uma mistura de temporalidades, na qual prevalece aquela do amor de Pedro e Miguel, que se enxergam como infinitamente jovens, apaixonados e irreverentes”, informa a sinopse do Cinusp. “É a eternidade da juventude através do amor.”
Em Looping (Brasil, 2019, 12 minutos), o diretor Maick Hannder concretiza literalmente o mote “O amor desacelera o tempo”. Em poucos frames de momentos pontuais, o espectador vê o outro amado. “Não é a câmera lenta, mas sim cenas cristalizadas pelo afeto narrado em primeira pessoa”, ressalta a sinopse. “Através de um olhar que encarna a paixão, um jovem nos guia pelos primeiros encontros com seu amado.”
Com direção de Yasmin Guimarães, Peixe (Brasil, 2018, 17 minutos) traz a história de Marina, uma jovem de Belo Horizonte que faz entregas com sua bicicleta. “O curta de Yasmin tem êxito em misturar duas dimensões importantes na vida de qualquer jovem: a diversão e o trabalho. A protagonista tenta manter sua vida financeira de pé realizando entregas, ao mesmo tempo em que curte festas e encontros com amigues. Aqui, a difícil realidade contemporânea do nosso País perpassa os movimentos dos personagens como uma sombra que ameaça sua diversão, mas nunca consegue de fato abalá-los”, lê-se na sinopse divulgada pelo Cinusp.
Finalmente, Agir como Tola (Estados Unidos, 2010, 4 minutos), de Harmony Korine, é uma série de vinhetas de 8 milímetros, acompanhadas por uma narração suave que mostra meninas que se esgueiram pelos pátios da escola, picham, bebem, fumam, posam e abraçam, evocando a solidão, a confusão e as maravilhas de crescer. “A dureza da realidade que não poupa nem os mais jovens. Imagens cruas, de intrínseco realismo e brutalidade latente. Harmony Korine nos apresenta um grupo de amigas que posa em cima de sua conjuntura com roupas de couro e garrafas na mão, resistindo como podem à sua juventude complicada.”
A mostra de filmes Juventude Trans-Viada, do Cinema da USP Paulo Emilio (Cinusp), está em cartaz desde 14 de março até 17 de abril no canal do Cinusp na plataforma Youtube. Grátis.
Por Jornal da USP