No começo de 2020, a organização Longevity Leaders, que é baseada em Londres e acompanha as principais tendências relacionadas ao envelhecimento, apostou suas fichas que a longevidade seria alçada a um dos temas mais importantes do ano. A pandemia do novo coronavírus não estava entre as previsões, mas certamente colocou os idosos no centro do debate.
Na semana passada, a entidade divulgou uma atualização das suas projeções, resultado das muitas discussões que marcaram o encontro virtual da entidade, ocorrido em maio. O documento, recém-saído do forno, se debruça sobre as ações que podem ter impacto positivo na expectativa de vida da população, abrangendo: ciência; tecnologia e negócios; prevenção e bem-estar; e o desafio de garantir segurança financeira para os anos que ganhamos com o bônus da longevidade.
Longevidade: foco deve ser na medicina preventiva, para evitar as comorbidades que comprometem a qualidade de vida — Foto: Mariza Tavares
Como o levantamento é extenso, decidi pinçar alguns tópicos que me chamaram a atenção, todos relacionados à questão da prevenção. Fica cada vez mais claro que a longevidade é o resultado de uma soma de decisões acertadas ao longo da vida. Jens Eckstein, sócio da Apollo Ventures, empresa de investimento em biotecnologia voltada para prevenir ou reverter doenças associadas ao envelhecimento, afirma que um dos obstáculos é redefinir o que consideramos uma velhice saudável.
“A mudança de paradigma que defendemos é que não podemos esperar que os sintomas surjam para tratar as enfermidades. Na verdade, é preciso focar na medicina preventiva e pré-sintomática, entender os fatores de risco para o desenvolvimento de certas doenças associadas ao envelhecimento e começar a achatar essa curva para que as enfermidades não se manifestem. Há um enorme montante de dinheiro que vai para as pesquisas sobre o câncer, mas, mesmo que conseguíssemos alcançar uma cura integral para o câncer, a humanidade ganharia, em média, mais dois ou três anos de expectativa de vida. Isso poque os idosos enfrentam polimorbidades, ou seja, não temos apenas uma doença quando envelhecemos, e sim diversos problemas. O desafio é mudar a forma de pensar o que é doença e o que deve ser tratado”, afirmou.
Eric Verdin, CEO do Buck Institute for Research on Ageing, que mantém uma parceria com a Clínica Mayo para pesquisas na área do envelhecimento, propõe que o foco seja menos nos medicamentos que estão sendo pesquisados e mais na consolidação de informações que possam nos beneficiar imediatamente: “acho ótimo que tantos cientistas estejam desenvolvendo drogas para controlar o envelhecimento, mas vai demorar anos até que tenhamos produtos de eficácia comprovada. Nosso foco deveria estar no que temos hoje para aumentar a longevidade trabalhando em áreas como nutrição, exercício, sono e estresse. Infelizmente, o conhecimento de que dispomos nesses campos ainda está fragmentado e precisamos consolidar os dados. Por exemplo, qual é realmente o volume de exercício que impacta positivamente a expectativa de vida: serão 10 mil passos mesmo? Precisamos saber disso em nível molecular para ter como atuar. A intervenção tem que ser no organismo como um todo, porque os efeitos do envelhecimento também afetam os órgãos em seu conjunto”.
Quando se fala de prevenção, obrigatoriamente a questão do convívio social vem à tona como um dado da maior relevância, como mostram Helen Lamprell, diretora de assuntos externos da Vodafone, e Catherine McClen, fundadora da empresa britânica BuddyHub, cujo objetivo é conectar pessoas e combater a solidão.
“A convivência entre diferentes gerações tem um papel importante e países como a Itália, nos quais esse convívio é intenso, têm lições a nos dar”, diz Helen. Para Catherine, a prevenção da solidão deveria estar na agenda das políticas de saúde pública: “como poderemos parar de criar um número cada vez maior de solitários? A urbanização veio quebrando os elos comunitários e teremos que repensar o papel da tecnologia nessas mudanças. Os mais jovens se tornaram tão dependentes do mundo virtual que não estão desenvolvendo as habilidades sociais necessárias para o contato cara a cara”.
Em todas as análises e projeções, dois outros elementos em comum: a necessidade de repensar o setor de cuidados de idosos, o que inclui de moradias com serviços à valorização da atividade dos cuidadores; e viabilizar mecanismos para garantir a segurança financeira dos idosos. Resumo da ópera: não há soluções fáceis pela frente.
Por Mariza Tavares, G1