Localizada no noroeste espanhol, o terroir vem chamando a atenção com seus grandes vinhos
Bierzo talvez não seja um dos primeiros nomes citados quando alguém porventura questiona sobre uma denominação espanhola com profusão de vinhos de alto gabarito.
Contudo, nas provas para o Guia de Vinhos – ADEGA Espanha, pudemos notar que é preciso ficar de olho nessa região às vezes esquecida do noroeste espanhol. Bierzo emplacou nada menos do que sete rótulos de destaque no guia, sendo um deles o melhor do ano, o Post Crucifixion – que ficou empatado com o Castillo Ygay de Marqués de Murrieta (temos uma entrevista incrível com o Vicente Dalmau Cebrián-Sagarriga, enólogo da vinícola).
Bierzo fica no noroeste da província de León, na região de Castilla y León, fazendo dividas com as regiões da Galícia e Astúrias e também com Ourense e Lugo.
Acredita-se que as origens da vitivinicultura local sejam muito antigas, pois já havia citações de Plínio, o Velho, e Estrabão que falavam de vinhas na área, originariamente derivada da cidade pré-romana de Bergidum. Mas o “auge” ocorreu durante o período medieval com os monges cistercienses e seus mosteiros, mas especialmente pela região ficar na rota dos peregrinos do Santiago de Compostela.
O terroir de Bierzo é lar de alguns dos novos ícones espanhóis
Depois do surgimento da filoxera, Bierzo teve altos e baixos, com o início da recuperação a partir dos anos 1960, época do surgimento de cooperativas. Em 1989, a denominação de origem foi reconhecida e 20 anos depois, em 2019, criou-se uma classificação de vinhedos similar à da Borgonha, em que alguns “Crus” foram delimitados e hierarquizados.
Tudo isso graças a uma revolução que vem ocorrendo no local, com produtores tradicionais – e também novos – buscando resgatar vinhedos seculares, técnicas e variedades para dar origem a vinhos verdadeiramente excepcionais. Nomes como Raul Perez, Alvaro Palacios e Diego Magaña são alguns dos que vêm fazendo com que Bierzo ganhe destaque internacional. Tanto que a região chamou a atenção do argentino Gerardo Michelini e sua esposa Andrea Mufatto, que decidiram iniciar um projeto lá em 2015 junto com o viticultor local Javier González.
Terroir e a Mencía
Os vinhedos de Bierzo são bastante fragmentados, com microparcelas de vinhas em encostas, de 450 a 800 metros. O solo das partes mais baixas tem textura argilosa, moderadamente ácida, com ausência de carbonatos, típica de climas úmidos. Os solos das encostas são compostos por uma mistura de minerais, quartzito e ardósia. O microclima é caracterizado pela barreira natural da Serra de los Ancares, que aplaca as tempestades atlânticas e resulta em um clima continental com a influência do oceano. A pluviosidade anual é de 721 mm e a temperatura média de 12,3°C.
Região de Bierzo foi um dos destaques no Guia ADEGA Espanha 2021
As variedades autorizadas são Mencía e Garnacha Tintorera entre as tintas, e Godello, Doña Blanca, Palomino e Malvasía, entre as brancas. Recentemente as castas tintas históricas Estaladiña e Merenzao foram incluídas na denominação.
Contudo, a cepa de maior destaque é, indiscutivelmente, a Mencía.
Ela representa quase 75% das uvas plantadas na região e responde bem aos solos argilosos e à base de ardósia, produzindo cachos pequenos e uvas de pele fina. Dependendo de como é vinificada, pode oferecer vinhos mais concentrados e estruturados, mas os exemplares que vêm se destacando costumam ter coloração delicada, serem mais verticais e tensos, aliando força com sutileza, podendo, nesse último caso, ser comparados a bons Pinot Noir ou Nebbiolo.
Confira uma seleção de excelentes vinhos de Bierzo provados por ADEGA:
Elaborado a partir de Mencía, Alicante Bouschet e Sousón, com estágio de 12 meses em barris de carvalho francês este é um vinho cheio de camadas, com estrutura e concentração, mas ao mesmo tempo elegante e profundo.
Este é um blend das uvas Mencía, Alicante Bouchet, Souson e Doña Blanca, advindas de vinhas de idade média de 80 anos, fermentado com engaços e estágiado 12 meses em barris de carvalho francês. Um autêntico lobo em pele de cordeiro. Atrás da aparente facilidade em degusta-lo, esconde nuances de sabores e de textura, que conferem profundidade e verticalidade.
Composto de uvas Mencía, Garnacha e Sousón, advindas de idade média de 80 anos, fermentado com 50% de engaços e estágiado 14 meses em foudres de carvalho francês é um que chama a atenção pelas notas florais, especiadas e de ervas frescas dão o toque final de complexidade.
Esse 100% Mencía impressiona pelos taninos tensos e de grãos finos e pela acidez elétrica, que conferem profundidade, persistência e fluidez ao vinho. Tem final cativante, com toques terrosos e de cerejas.
Este é um blend de 50% Mencía, 20% Merenzao, 10% Palomino, 10% Bracellao e 10% Godello, fermentado em ânforas de barro, com cachos inteiros, sem adição de leveduras, com 311 dias de maceração pelicular e estagiado durante 3 meses em barris usados de carvalho francês de 500 litros. Para esse vinho foram utilizados vinhedos quase seculares e vinificação minimamente intervencionista. Tem a virtude de ser extremamente frutado, mas também austero, acessível, mas também introspectivo, direto, mas também profundo, aparentemente simples, mas, ao mesmo tempo, muito complexo.
Um 100% Mencía com estágio de 10 meses em barricas de carvalho francês e americano fluido e vertical. O seu final persistente, com toques terrosos, salinos, de amoras e de ameixas convidam a uma segunda taça. Surpreende pela vivacidade e pela juventude, mesmo com quase 10 anos.
Este é um 100% Mencía sem passagem por madeira. Chama atenção pelos taninos de firme textura e pela acidez vibrante, que trazem vibração ao conjunto e equilibram toda sua fruta. A fermentação com os engaços tem papel fundamental para aportar profundidade, meio de boca e tensão.
Por Revista Adega