Doenças cardíacas podem ser consequência da diabete, mas o problema parece não gerar tanta preocupação assim. Uma pesquisa de 2017 feita pelo Ibope Inteligência mostrou que, no Brasil, o maior medo dos diabéticos em relação à doença é amputar algum membro do corpo, indicado por 32% deles. Ter alguma enfermidade cardiovascular, que inclui enfarte e acidente vascular cerebral (AVC), era o temor de apenas 3%. Um estudo mais recente, realizado entre maio e junho deste ano, revelou que, embora 62% dos brasileiros com diabete tipo 2 tenham sido diagnosticados há mais de cinco anos, 90% deles sentem falta de mais informações durante o tratamento. … – Veja mais em https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/agencia-estado/2019/09/26/iniciativa-alerta-para-relacao-entre-diabete-e-doenca-cardiovascular.htm?cmpid=copiaecola
Os ovos têm vários atributos a seu favor: estão amplamente disponíveis, são acessíveis, fáceis de cozinhar e cheios de proteínas.
“O ovo ‘é feito’ para ser algo com todos os componentes certos para o crescimento de um organismo, portanto, obviamente, ele é rico em nutrientes”, diz Christopher Blesso, professor associado de ciência nutricional da Universidade de Connecticut, nos EUA.
Comer ovos junto com outros alimentos também pode ajudar nosso corpo a absorver mais vitaminas. Por exemplo, um estudo descobriu que adicionar um ovo à salada pode aumentar a quantidade de vitamina E que nosso organismo incorpora.
Mas outra característica do ovo o tem colocado algumas vezes na categoria de “vilão” da saúde: o seu alto teor de colesterol, que costuma ser associado a um risco aumentado de doenças cardíacas. Uma gema de ovo contém cerca de 185 miligramas de colesterol, que é mais da metade da quantidade diária de 300 mg de colesterol recomendada por órgãos americanos até recentemente.
Isso significa que os ovos, em vez de serem um alimento ideal, podem estar na verdade nos prejudicando?
O colesterol, uma gordura amarelada produzida no fígado e no intestino, pode ser encontrada em todas as células do nosso corpo. Normalmente pensamos nele como “ruim”, mas na verdade o colesterol é um componente essencial das membranas celulares. Ele é também necessário para que o corpo produza a vitamina D e os hormônios testosterona e estrogênio.
Produzimos todo o colesterol que precisamos, mas ele também é encontrado em produtos animais que consumimos, como a carne vermelha, camarão e ovos, além de queijo e manteiga.
O colesterol é transportado pelo corpo por moléculas de lipoproteínas no sangue. Cada pessoa tem uma combinação diferente de vários tipos de lipoproteínas, e nossa composição individual desempenha um papel determinante no risco de desenvolver doenças cardíacas.
O colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL) – conhecido como colesterol “ruim” – é transportado do fígado para as artérias e tecidos do corpo. Os pesquisadores dizem que isso pode resultar no acúmulo de colesterol nos vasos sanguíneos e aumentar o risco de doenças cardiovasculares.
Mas os cientistas não estabeleceram qualquer vínculo definitivo sobre o consumo de colesterol e o aumento no risco de doenças cardiovasculares.
Até por isso, as diretrizes alimentares dos EUA não indicam mais restrições ao colesterol, nem no Reino Unido.
Em vez disso, enfatiza-se a limitação da quantidade de gordura saturada que consumimos, o que sim pode aumentar o risco de desenvolver doenças cardiovasculares. Alimentos que contêm gorduras trans, em particular, aumentam nossos níveis de LDL.
Embora algumas gorduras trans estejam naturalmente em produtos de origem animal, a maioria é produzida artificialmente e é encontrada em níveis mais altos em margarinas, salgadinhos, alimentos fritos e assados, como bolos e donuts.
Enquanto isso, junto com os camarões, os ovos são os únicos alimentos ricos em colesterol e com baixos níveis de gordura saturada.
“Enquanto o colesterol nos ovos é muito maior do que na carne e outros produtos de origem animal, a gordura saturada aumenta o colesterol no sangue. Isso vem sendo demonstrado por muitos estudos há anos”, diz Maria Luz Fernandez, professora de ciências nutricionais da Universidade de Connecticut cujas pesquisas mais recentes não encontraram relação entre comer ovos e um aumento no risco de doenças cardiovasculares.
A discussão sobre os efeitos dos ovos na saúde mudou em parte porque nossos corpos podem compensar o colesterol que consumimos.
“Existem sistemas em vigor (no corpo) para que, para a maioria das pessoas, o colesterol ingerido não seja um problema”, diz Elizabeth Johnson, professora associada em ciências nutricionais da Universidade Tufts, nos EUA.
Em uma revisão de 40 estudos publicada em 2015, Johnson e uma equipe de pesquisadores não encontraram nenhuma evidência conclusiva sobre a relação entre o colesterol vindo da dieta e doenças cardíacas.
“Os seres humanos têm uma boa regulação ao consumir colesterol da dieta, e nesse caso produzem menos colesterol (em seus organismos)”, explica.
E quando se trata de ovos, o colesterol pode representar um risco ainda menor para a saúde. O colesterol é mais nocivo quando oxidado em nossas artérias, mas a oxidação não acontece com o colesterol dos ovos, diz Blesso.
“Quando o colesterol é oxidado, ele pode ser mais inflamatório. Mas nos ovos há todos os tipos de antioxidantes que evitam a oxidação”, explica.
A combinação HDL-LDL
Além disso, um pouco de colesterol pode realmente fazer bem. O colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL) viaja para o fígado, onde é decomposto e removido do corpo. Acredita-se que o HDL tenha um efeito protetor contra doenças cardiovasculares, impedindo a acumulação de colesterol no sangue.
“As pessoas devem se preocupar é com o colesterol que circula no sangue, aquele que leva a doenças cardíacas”, diz Fernandez.
O que importa é a proporção de HDL para LDL em nossos corpos, pois o HDL elevado neutraliza os efeitos do LDL.
No entanto, enquanto a maioria de nós é capaz de regular o colesterol que consumimos com o colesterol que sintetizamos em nossos órgãos, Blesso diz que cerca de um terço das pessoas experimentará um aumento no colesterol no sangue de 10% a 15% após obtê-lo dos alimentos.
Experimentos já revelaram também que pessoas magras e saudáveis têm maior probabilidade de ver um aumento no LDL depois de comer ovos. Aqueles que estão acima do peso, obesos ou diabéticos verão um aumento menor no LDL e mais moléculas de HDL, diz Blesso.
Portanto, se você é mais saudável, os ovos podem ter um efeito mais negativo do que se estiver acima do peso – mas se você for mais saudável, é mais provável que tenha também bons níveis de HDL, portanto um aumento do LDL provavelmente não é muito prejudicial.
Limites para a comprovação de causa-efeito
Publicações do início deste ano, no entanto, desafiaram o recente consenso de que os ovos não causam danos à nossa saúde. Em uma delas, pesquisadores analisaram dados de 30.000 adultos acompanhados por uma média de 17 anos e descobriram que cada meio ovo adicional consumido por dia teve associação significativa com um risco maior de doenças cardíacas e morte.
“Descobrimos que, para cada adicional de 300 mg de colesterol consumidos por uma pessoa, independente da origem do alimento, os riscos aumentaram em 17% para doenças cardiovasculares e 18% para mortalidade por causas diversas”, diz Norrina Allen, uma das autoras do estudo e professora associada de medicina preventiva na Universidade Northwestern, nos EUA.
“Também descobrimos que cada meio ovo por dia leva a um aumento de 6% no risco de doenças cardíacas e de 8% no risco de mortalidade.”
Apesar de o estudo ser um dos maiores do gênero a abordar essa relação específica entre ovos e doenças cardíacas, ele tem caráter observacional, não dando indicação de causa e efeito. Também se baseou em um único conjunto de dados autorrelatados – os participantes foram questionados sobre o que comeram no mês ou ano anterior e tiveram seus indicadores de saúde acompanhados por anos.
Isso significa que os pesquisadores obtiveram apenas um fragmento do que os participantes estavam comendo, já que as dietas podem mudar com o tempo.
E o estudo entra em conflito com estudos anteriores.
Vários deles já sugeriram que os ovos são bons para a saúde do coração. Um publicado em 2018 e baseado em dados de meio milhão de adultos na China demonstrou até o oposto: o consumo de ovos estava associado a um menor risco de doenças cardíacas. Aqueles que comiam ovos todos os dias tinham um risco 18% menor de morte por doença cardíaca e 28% menor risco de morte por acidente vascular cerebral em comparação com aqueles que não comiam ovos.
Como o estudo anterior, este com dados de chineses também era observacional, o que significa que é impossível demonstrar causalidade: os adultos mais saudáveis da China simplesmente comem mais ovos ou o alimento os torna mais saudáveis? Ou seja, o que vem primeiro, o ovo ou seus benefícios apontados nas pessoas? Esse tipo de incógnita pode fomentar grande parte da confusão que permanece sobre os ovos serem heróis ou vilões.
Outros impactos na saúde
Embora o debate sobre a relação entre os ovos e as doenças cardiovasculares ainda esteja a pleno vapor, já se sabe outras maneiras pelas quais o alimento influencia nossa saúde.
Uma delas é através de um composto presente nos ovos chamado colina, que pode ajudar a nos proteger contra a doença de Alzheimer. Ele também protege o fígado.
Mas a colina também pode ter efeitos negativos – e ela nos leva de volta à questão das doenças cardiovasculares.
Na microbiota intestinal, a colina é metabolizada e transformada em uma molécula chamada TMO, que é então absorvida no fígado humano e convertida em TMAO – esta sim uma molécula ligada a um risco aumentado de doenças cardiovasculares.
Blasso se perguntou se comer ovos, e colina por tabela, poderia elevar a TMAO – em estudos, ele descobriu que as pessoas apresentavam níveis elevados da molécula em até 12 horas depois do consumo de ovos.
Pesquisas só encontraram até agora aumentos temporários de TMAO após a ingestão de ovos. Blasso compara isso ao aumento temporário de níveis de açúcar no sangue após o consumo de carboidratos – o que por si só não indica a diabetes, constatada apenas quando esses níveis são contínuos.
“O problema é quando, em vez de ser absorvida pelo sangue, a colina continua no intestino grosso, onde pode se tornar TMA e depois TMAO”, diz Fernandez.
“Mas nos ovos, a colina é absorvida e não vai para o intestino grosso, por isso não há aumento do risco de doenças cardíacas.”
Enquanto isso, os cientistas estão começando a entender outros benefícios dos ovos para a saúde. As gemas, por exemplo, são uma das melhores fontes de luteína, um pigmento que tem sido associado a uma melhor visão e a um menor risco de doenças oculares, por exemplo.
Embora os pesquisadores estejam longe de entender as diversas maneiras com que o ovo pode afetar nosso corpo, a grande maioria das pesquisas recentes sugere que o alimento não representa riscos para a saúde – na verdade, tudo indica que ele traz benefícios.
Mesmo assim, comer ovos no café da manhã todos os dias provavelmente também não é a opção mais saudável, pelo menos seguindo a famosa recomendação por uma dieta variada.
Por BBC