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O cinema de Werner Herzog: “sigo o impulso da minha fantasia, daquilo que impressiona minha imaginação”

“É a primeira vez que venho ao Sul do Brasil. Procurei não vir de mãos vazias”, brincou Werner Herzog ao mostrar um de seus livros no início da conversa de uma hora, na Sala Redenção, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no encerramento da mostra que, desde o dia 16 de setembro, exibiu filmes do cineasta alemão. Herzog veio a Porto Alegre para participar de mais uma edição do Fronteiras do Pensamento que, este ano, tem como tema central “Sentidos da Vida”. O cineasta não trouxe nas mãos uma resposta para os sentidos da vida, mas deixou, nas duas conversas que manteve nesta segunda-feira, na capital gaúcha, algumas sugestões de método parar fazer cinema e pensar a nossa relação com a realidade que nos cerca e com as representações que fazemos sobre ela o tempo todo, no cinema e no cotidiano da vida. E exibiu também trechos de filmes seus (um deles ainda em fase de produção) para ilustrar como tenta compartilhar suas visões com o público.

Aos 77 anos, Herzog segue fazendo cinema como nunca. As inovações tecnológicas abriram espaço e tempo para a inquieta imaginação do autor se espraiar por diferentes temas e territórios. Somente nos últimos oito meses foram três filmes. Na conversa na Sala da Redenção, que teve na plateia uma representação expressiva da comunidade produtora de cinema de Porto Alegre, Herzog deixou um conselho para os novos realizadores: não reclamem da falta de financiamento; é possível fazer filmes com câmeras cada vez menores e mesmo com um celular, editar o seu filme em um lap top e exibi-lo em uma das plataformas disponíveis na internet. Ele citou o exemplo do filme “Tangerine”, de Sean Baker, filmado inteiramente com três aparelhos iPhones 5s (ver trailer abaixo). “Fiz filmes com muito pouco dinheiro. Você pode fazer um longa hoje com menos de 20 mil dólares”.

Essas novas possibilidades tecnológicas, porém, têm contrapartidas não exatamente positivas, ressaltou. Uma delas, que pode parecer paradoxal na era das redes sociais, é o crescimento da solidão no mundo. “Quanto mais estamos conectados, mais profunda a solidão se torna. Estamos vivendo um século de solidões. Conheci uma adolescente de 16 anos que chegou a enviar mais de 2 mil mensagens por dia para amigos e amigas virtuais. Mensagens de todo tipo. Passava o dia fazendo isso. Ela vai ser hospitalizada em breve por profunda depressão”.

Mas as principais sugestões e conselhos que Herzog deixou não foram de natureza tecnológica, mas sim metodológica. Alguns modos de fazer que, segundo ele, não se aprendem nas escolas de cinema, mas na experiência de vida. Uma das perguntas feitas a ele na Sala Redenção foi simples e direta: o que o motiva a fazer um filme? A pertinência da questão não estava baseada simplesmente na curiosidade acerca das motivações subjetivas do autor, mas também na impressionante diversidade temática que marca a obra de Herzog. Ele mesmo testemunhou isso, fazendo um rápido resumo de suas andanças pelo mundo dos últimos meses: terminando um filme com Mikhail Gorbachev na Rússia, outro no Japão, outro na Patagônia, uma visitinha ao Vale do Amanhecer, em Brasília, no último sábado. A diversidade não é apenas geográfica. Tudo, potencialmente, parece interessá-lo: as memórias do ex-líder soviético, a suposta presença de alienígenas no Distrito Federal, vulcões, crateras de meteoros, Meca…A lista é infindável.

Conferência de Herzog no Fronteiras do Pensamento, no Salão de Atos da UFRGS (Foto: Luiz Munhoz/Divulgação)

A resposta de Herzog à pergunta, como era de se esperar, não deu nenhuma receita de bolo. Um possível resumo: você deve fazer algo que impressione sua imaginação, que diga respeito à sua experiência de vida, que lhe afete de algum modo. Muitas vezes, nem fica claro de onde vem a motivação, mas quando algo faz a imaginação se mover, a obra começa.

Para espanto de muitos na plateia, o diretor contou que escreveu o roteiro de um de seus clássicos, “Aguirre, a Cólera dos Deuses”, em dois dias e meio. Além de respeitar o que toca a própria imaginação, Herzog deixou outro conselho a quem pretende fazer cinema: “Ler, ler, ler…Se não fizer isso será um cineasta medíocre”.

Herzog também foi questionado sobre os limites éticos neste trabalho que leva da imaginação à realização cinematográfica. Há um filme do cineasta que está diretamente relacionado a esse tema: “O Homem Urso”, que conta a história de Timothy Treadwell, ecologista e especialista em ursos que, por 13 verões consecutivos foi para o Alasca viver entre esses animais. Ele e sua namorada acabaram sendo mortos, em um episódio trágico, devorados pelos ursos. Herzog utilizou filmagens feitas por Treadwell e teve que escolher se incluía no filme o aterrador áudio que registrou os últimos momentos dele e da namorada. Decidiu proibir a inclusão desses áudios no filme, para preservar a privacidade e a dignidade das duas pessoas que morreram.

Na conferência realizada no Fronteiras do Pensamento, no Salão de Atos da UFRGS, Herzog mostrou trechos de alguns de seus filmes para ilustrar como funciona seu método de trabalho e sua visão sobre o fazer cinema. Um deles foi de seu trabalho mais recente, que começa a ser exibido agora pela BBC, “Nomad: In the Footsteps of Bruce Chatwin”, um documentário sobre a vida de seu amigo e colaborador Bruce Chatwin, escritor e explorador apaixonado pela vida nômade, por histórias desconhecidas de tribos perdidas e esquecidas. “Ele tinha uma relação muito forte com paisagens, como eu também tenho, como essa paisagem de pedras pré-históricas no interior da Inglaterra”, contou.

Herzog também exibiu um trecho ainda bruto de um trabalho que está realizando sobre meteoritos. Ele ficou cerca de três semanas no interior da Austrália, filmando uma cratera com cerca de um quilômetro de diâmetro, resultante do impacto de um meteorito há aproximadamente 120 mil anos. O tema interessa ao cineasta por várias razões: “Muita coisa que temos hoje no nosso planeta chegou aqui por meteoritos. Será que a própria vida veio de algum meteorito? Se isso for verdade, eu gostaria de perguntar ao Papa como fica a questão de que Deus criou a vida na Terra. E queria perguntar também se, caso ele encontrasse um alien, ele o batizaria?” – brincou. Além de mostrar a própria cratera e o ambiente que a cerca, Herzog também filmou um pedaço de meteorito que é translúcido e possui cristais com uma forma logicamente impensável pelo que se conhece na Terra sobre cristais.

Essas “questões estranhas”, como definiu fornecem uma pista para entender a ampla diversidade temática de sua obra. “Sigo o impulso da minha fantasia, daquilo que impressiona minha imaginação. É uma questão da intensidade da visão que tenho. Quando tenho uma visão muito forte, quero comunicar ela para vocês e parte dessa visão tem muito a ver com música também. Nos meus filmes, tento criar um compromisso entre o espectador e o que está na tela, resultado dessa visão”. Ainda sobre seu método de trabalho, Herzog disse ainda que nunca seguiu o código da indústria cinematográfica e que tem como um dos objetivos centrais de seu trabalho uma busca a respeito da natureza da verdade.

As raízes e a natureza dessa busca remontam à infância de Herzog: “Eu cresci em um lugar muito isolado, que não tinha água potável nem eletricidade. Fiz meu primeiro telefonema com 17 anos de idade”. A ausência da tecnologia foi compensada, porém, por uma vida rica em imaginação e fantasia, o que o tornou um grande contador de histórias. “Eu sou um contador de histórias melhor que Hollywood. Hollywood faz coisas muito bem, mas contar histórias não é uma delas. Sempre tive uma busca central: o que constitui a verdade? Sempre tento cavar até um nível mais profundo, não me limitando aos fatos aparentes. Acho que isso faz com que meus documentários se tornem mais verdadeiros”, acrescentou, citando um trabalho que fez no Kuwait, por ocasião da guerra com o Iraque, “Lessons of Darkness”, onde ele mostra campos de petróleo em chamas de um modo em que não se reconhece mais aquela paisagem como sendo de nosso planeta.

Um pensamento de Pascal inspirou Herzog: o colapso do universo estelar se dará como a criação, em um grandioso esplendor. Ou terá sido a imaginação de Herzog a inspirar Pascal? – como brincou o cineasta. Afinal, o que impacta a imaginação pode se mover por tempos e espaços hoje impensáveis para nós, como observou em relação ao pedaço translúcido do meteorito que caiu na Austrália. Levar a sério e dar atenção ao que impacta a nossa imaginação e a nossa fantasia. Esse foi o presente que Herzog trouxe em suas mãos para deixar em Porto Alegre.

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