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Museus ligados a temas como racismo e Holocausto enfrentam o desafio de transformar traumas em arte

Em sua missão de preservar e manter viva a memória e destacar a produção cultural, os museus constantemente se deparam com o desafio de reviver momentos traumáticos da História e, ao mesmo tempo, criar para os visitantes um ambiente estimulante e repleto de informações. Duas instituições recém-inauguradas encaram essa ambivalência ao apresentar ao público seus acervos e programas institucionais: o carioca Museu da História e Cultura Afro-Brasileira (Muhcab), que passou a funcionar a partir do dia 23 de novembro, na Gamboa; e o Museu Judaico de São Paulo (MUJ), que abriu suas portas no dia 5 deste mês, no bairro da Bela Vista.

Outro projeto no Rio também terá um viés semelhante, ao abordar um dos eventos mais perturbadores da Humanidade: inaugurado em dezembro de 2020 no Morro do Pasmado, em Botafogo, o Memorial às Vítimas do Holocausto vai ganhar até o segundo semestre de 2022, no subsolo, uma exposição interativa permanente, destacando o antes, o durante e o depois da ascensão do nazismo e da adoção da Solução Final nos campos de concentração.

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As iniciativas seguem os passos de outras instituições mundiais bem-sucedidas, como o Yad Vashem, em Israel, o Museu da Paz de Hiroshima (Japão), o Memorial do 11 de Setembro (Nova York) e o Museu do Apartheid de Joanesburgo (África do Sul). Como em outros países, muitas vezes os projetos nascem do próprio desejo da comunidade de que sua história seja contada para que tais horrores não se repitam.

— O Museu Judaico é um projeto de muitos anos, e nasce com essa missão de jogar luz sobre a história de um povo que sempre viveu perseguições desde a sua origem. Mostramos como essa trajetória de exílios e preconceitos marcam a sua cultura, mas também apontamos todas as formas de resistência desenvolvidas ao longo dos séculos — comenta Felipe Arruda, diretor do MUJ.

Visitante no Museu da História e Cultura Afro-Brasileira (Muhcab) Foto: Gui Espindola
Visitante no Museu da História e Cultura Afro-Brasileira (Muhcab) Foto: Gui Espindola

Uma visão semelhante à do Muhcab, pensado em termos de associação com outros locais e instituições da região, como o Cais do Valongo, Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco, e o IPN (Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos). Para o diretor-geral Leandro Santanna, se debruçar sobre os horrores do passado possibilita abrir novas perspectivas para o presente e o futuro:

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— O museu faz este exercício de encarar o quão desastrosa foi a escravidão no Brasil, por sua violência, sua duração, e tentar refletir sobre seus impactos na sociedade. Nosso programa trabalha estes temas não só através do acervo, mas também no diálogo com a comunidade e em ações realizadas no museu.

Para ampliar as possibilidades destas iniciativas, a tecnologia surge como uma aliada . Um exemplo é o Museu do Holocausto em Los Angeles, que está desenvolvendo, em parceria com o estúdio de realidade virtual Magnopus, um aplicativo que permitirá ao público de todo mundo visitar suas mostras à distância. No Rio, a interação com o digital também será a grande aposta do Memorial às Vítimas do Holocausto.

Museu do Holocausto de Los Angeles Foto: Tamara Leigh
Museu do Holocausto de Los Angeles Foto: Tamara Leigh

— Os principais museus do Holocausto do mundo têm muito acervo físico, e é realmente impressionante ver objetos que pertenceram às vítimas ou aos sobreviventes. Me lembro de ter ficado impactado quando fui pela primeira vez ao Yad Vashem, aos 16 anos — lembra o advogado Ary Bergher, presidente do Instituto Memorial do Holocausto. — Mas queríamos criar uma experiência imersiva, em que os visitantes e, principalmente, as crianças e jovens possam vivenciar aquele momento. Certamente irá ficar na memória de forma mais intensa.

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Um projeto concluído após 30 anos, idealizado pelo vereador e deputado estadual Gerson Bergher (1925-2016), pai de Ary, o memorial carioca traz em em seu nome a denúncia não apenas a perseguição aos judeus, mas a todos os grupos oprimidos pelo nazismo e outros regimes totalitários pelo mundo.

— O fato de ter as vítimas destacadas no nome do museu dá um aspecto mais amplo à história que queremos contar — destaca Ary Bergher. — Não falamos apenas dos milhões de judeus assassinados, mas de todas as vítimas desta opressão: os ciganos, os homossexuais, os opositores do regime e os deficientes físicos e mentais, que foram as primeiras vítimas do nazismo. Fazer com que o público entenda isso é mostrar que este é um monumento à Humanidade.

Memorial às Vítimas do Holocausto, no Mirante do Pasmado, em Botafogo Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Memorial às Vítimas do Holocausto, no Mirante do Pasmado, em Botafogo Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

O Museu Judaico de São Paulo também aborda outros tipos de perseguições, inclusive contemporâneas, contra outros grupos:

— Antes de entrar na parte do Holocausto em si, destacamos várias manchetes atuais sobre feminicídios, homofobia, transfobia e outros racismos. É preciso apontar que este não é apenas um processo histórico, que ainda sofremos estas consequências — ressalta o diretor Felipe Arruda. — Nesse sentido, já nascemos com um museu de alteridade, onde o público pode pensar a sua própria identidade em relação ao outro, a partir de uma relação de respeito mútuo.

Para Leandro Santanna, diretor do Muhcab, ao criar programas dinâmicos e em consonância com os desejos da comunidade, os museus podem ajudar a conscientizar e evitar que estes traumas históricos se repitam:

— O racismo atravessou todos os períodos da História do Brasil e hoje ele está muito à vontade para mostrar a sua cara. A partir do momento em que o museu passa a ser visto não só como um espaço de guarda de acervo, podemos trabalhar melhor estas questões e construir uma sociedade mais plural. (Nelson Gobbi)

Por O Globo

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