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Inhotim inaugura trabalhos que levam a reflexão sobre território

BRUMADINHO (MG) – O maior museu a céu aberto do mundo se mostra resiliente diante da sequência de fechamentos durante a pandemia da Covid-19. Em clima de otimismo, o Insituto Inhotim inaugurou no último sábado (28) obras de Aleksandra Mir, Rommulo Vieira Conceição e Lucia Koch.

A Galeria Praça foi tomada pelos gigantescos desenhos em preto e branco da sueco-americana Aleksandra Mir que compõem a exposição “Entre terras”, concebida na Sicília e que explora o Mar Mediterrâneo como um território marcado por fluxos migratórios e disputas políticas.

“Territórios específicos”, aliás, é o nome do programa que comissionou obras aos artistas Rommulo Vieira Conceição, baiano radicado em Porto Alegre, e Lucia Koch, gaúcha que vive em São Paulo, também inauguradas no sábado.

Exposição “Entre terras” de Aleksandra Mir explora Mar Mediterrâneo como território marcado por fluxo migratório Foto: Divulgação
Exposição “Entre terras” de Aleksandra Mir explora Mar Mediterrâneo como território marcado por fluxo migratório Foto: Divulgação

Labirinto de referências

Intitulada “O espaço físico pode ser um lugar abstrato, complexo e em construção”, a instalação de Rommulo é um labirinto colorido e brilhante, composto por estruturas que lembram arcos românicos, ogivas góticas e torres mouriscas e remetem a templos cristãos, judaicos e muçulmanos. No chão, estão espalhadas quartinhas, espécie de jarros presentes em rituais religiosos afro-brasileiros.

— Me interessava a diferença tênue entre espaço e lugar. Tudo pode ser um espaço, mas um lugar é criado à medida em que nos apropriamos dele — diz Rommulo, citando ainda o conceito de “territorialização”, do filósofo francês Gilles Deleuze. — Ao embaralhar elementos arquitetônicos de religiões diferentes, com as quais o público pode se identificar, busquei criar uma espécie de harmonia, ainda que labiríntica, possibilitar uma convivência estranha.

Instalação de Rommulo Vieira,
Instalação de Rommulo Vieira, “Harmonia labiríntica”, é a primeira de uma série do artista sobre religião Foto: Divulgação

A instalação é a primeira de uma série sobre religião à qual Rommulo tem se dedicado. O desejo de incorporar elementos religiosos a suas obras nasceu à medida em que ele assistia à invasão do espaço político por discursos fundamentalistas, especialmente após 2013. O próprio artista reconhece que “O espaço físico” não lembra apenas os contornos de templos religiosos, mas também os de um parquinho infantil. Os visitantes podem caminhar entre os arcos coloridos que compõem a obra, embora possam encontrar alguns obstáculos no caminho — mais fáceis de transpor, porém, do que aqueles enfrentados por Inhotim nos últimos anos.

— As pessoas estão sentindo a necessidade de, além do braço, vacinar a alma — diz o diretor-presidente do instituto, Antonio Grassi. — Inhotim é ma vacina para a cabeça.

Quem chega a Brumadinho vindo de Belo Horizonte, na altura do trevo onde estão o letreiro da cidade e fotos de pessoas mortas no rompimento da barragem do Córrego do Feijão, avista pichações contra a Vale e uma série de outdoors onde se intercalam propagandas de supermercado e duas imagens intrigantes. Vê-se o desenho de uma construção de madeira, parecida com um pavilhão, e outro onde se você o interior de uma caixa de papel ampliado em escala arquitetônica. Os dois painéis (e outros semelhantes, espalhados por Brumadinho) fazem parte da obra “Propaganda”, da artista gaúcha Lucia Koch, que começa na cidade e se estende até o Instituto Inhotim, a poucos quilômetros dali.

Lucia chegou a Brumadinho em 2019, quando a cidade, ainda enlameada e enlutada, começava a receber indenizações da Vale que aqueceram a economia local, botando carros caros nas ruas e erguendo condomínios de luxo na região.

A pujança se refletia nos outdoors triface que se tornaram, diz Lucia, “um hit” na cidade. Os painéis são formados por persianas verticais. A cada alguns segundos, elas se movem, desfazendo uma imagem e formando outra: três propagandas diferentes em um único outdoor.

Em Inhotim, “Propaganda” é composta por três painéis: dois outdoors tradicionais e um triface. O maior ostenta uma fotografia do interior de um saco de carvão de uma marca bastante popular em Brumadinho, chamada Arco-íris. No painel de dimensões gigantescas, a fotografia do saco de carvão amassado e avermelhado lembra uma caverna pouco iluminada. Koch batizou esse painel de “Arco-íris cor de sangue”, em homenagem à marca do saco de carvão e ao verso de “Magrelinha”, canção de Luiz Melodia que ela ouvia na infância.

Além dos outdoors

Na frente de “Arco-íris cor de sangue”, um outdoor triface mostra a imagem do pavilhão já vista no trevo de Brumadinho e que é, na verdade, uma queijeira onde os mineiros colocam o queijo para curar. Um pouco à frente, disposto na península de um dos lagos de águas verdes e brilhantes de Inhotim, está o terceiro outdoor, no qual está estampado o interior da caixa de papelão também já vista na cidade. “Propaganda” permanecerá em Brumadinho e Inhotim por um ano.

Obra de Lucia Koch instalada na península do Instituto Inhotim. Foto: Divulgação
Obra de Lucia Koch instalada na península do Instituto Inhotim. Foto: Divulgação

— Quero ver a perturbação que causam dispositivos de publicidade que não vendem nada, mas que, por um ano, vão ocupar o espaço que seria usado para propaganda de condomínios de luxo, seguros ou cursos de informática — diz Lucia.

Há mais de 20 anos, Lucia fotografa os interiores de embalagens vazias e as imprime em grandes dimensões, dando a impressão de que se trata de estruturas arquitetônicas. Começou fotografando caixas de leite quando estava lendo “No país das últimas coisas”, distopia do romancista americano Paul Auster, no qual uma jovem tenta regatar um irmão de um lugar onde as coisas não mais fabricadas começam a desaparecer. Até seus nomes somem da memória das pessoas. A partir daí, passou a pesquisar o “depois das coisas”, como a embalagem que resta já sem o produto. Ela comenta:

— Embalagens vazias tem a ver com esse depois das coisas, que é algo com que nós e Brumadinho temos que lidar.

O repórter viajou a convite do Instituto Inhotim.

Por O Globo

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