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Exposição no MAC se equilibra entre pessimismo e esperança

Algorab é uma das estrelas principais da constelação de Corvus e, na astrologia, possui uma carga simbólica bem pejorativa. É esse também o nome de um dos mais recentes trabalhos do artista plástico Rodrigo Linhares, que está com uma exposição no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP até 9 de fevereiro de 2020. Vivências por Reflexo é a primeira das três exposições que foram selecionadas através de uma chamada pública realizada pelo museu no final de 2018.

A obra Algorab, iniciada em 2017 e que toma a maior parte da sala destinada aos trabalhos do artista, é composta de várias fotos e desenhos de corvos. Eles são reproduzidos repetidas vezes, ora vivos, ora mortos, e sempre em tons de preto e branco. “Esse bicho te observa como quem diz que alguma coisa ruim vai acontecer, como um presságio”, conta Linhares, que tinha como ideia inicial utilizar o pássaro melro-preto, que não tem uma representação tão pessimista no imaginário popular.

“Na medida em que eu fui testando o que queria com o melro, as coisas foram mudando, tanto em mim e na minha vida quanto no momento político do País, e eu acabei achando necessário utilizar a figura do corvo mesmo”, afirma ele. Esse negativismo fica ainda mais carregado no final da sequência de paredes em que os desenhos aparecem, pois é possível perceber que as aves representadas estão mortas.

A obra Algorab é formada por uma sequência de desenhos de corvos – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

Já na parede que leva aos banheiros daquele andar, há uma última projeção de futuro positiva. Ali é colocada uma foto parecida com a do início da exposição, como se o artista propusesse um novo e diferente começo. Todas as aves representadas ali estão vivas. “A expografia que nós criamos estabelece alguns diálogos com o espaço. Então, já no final da mostra, em uma parede que quase nunca é usada para os trabalhos, nós deixamos uma ponta de esperança”, diz Linhares.

O artista tem grande parte de seu trabalho composta de autorretratos. Mas, em Algorab, ele mostra um processo de transição da sua figura para a do pássaro. Suas imagens e as dos corvos vão se confundindo na medida em que o visitante anda pela sala, até sobrarem apenas as aves pretas. “Os meus retratos têm anseios e angústias. Neste trabalho eu vou aos poucos transferindo esses sentimentos, e deixando de usar o meu rosto.”

Essa ideia do pássaro e do ato de voar perpassa várias outras obras da exposição. É o caso de Aerodinâmica do Voo (2008), que traz uma série de aviões de guerra em dobraduras de papel, nas quais o artista fez anotações carinhosas como contraste, e de Para se Entender a Aerodinâmica do Voo (2014), em que o artista tira fotos da paisagem que vê de dentro de um avião e depois faz inscrições em cima delas, também desenhando um ou outro pássaro aqui e ali.

Corvo desenhado através da técnica denominada pelo artista como “desenho lavado” – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

“É interessante como o trabalho ganha significados a partir do olhar do outro. Embora esses elementos estejam presentes, eu nunca parei muito para pensar sobre o porquê de eles estarem ali”, diz Linhares quanto à ideia de voar que aparece em algumas de suas produções. Segundo ele, a exposição e a visão das pessoas sobre suas obras propõem questionamentos que também permitem que ele evolua como artista. 

Para a curadora da exposição, Adriana Dolci Palma, o projeto de Linhares é um caso interessante, pois mostra muito bem o amadurecimento artístico dele ao longo de seu processo de autoafirmação. “O próprio projeto da exposição também o ajuda ainda mais a se entender enquanto se desenvolve como artista.”

“Outro ponto importante está em como suas obras dialogam com o acervo do MAC”, conta Adriana, que estudou o museu em seu mestrado e se interessou pelas referências conceitualistas presentes nas obras de Linhares. Segundo ela, uma característica muito forte na obra do artista é o trabalho com materiais mais precários e simples, dando mais peso ao sentimento e à mensagem que suas obras carregam. 

Avião de papel produzido para a obra Aerodinâmica do Voo (2008) – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

De acordo com Adriana, a exposição não está dividida de forma cronológica, e sim em nichos temáticos, o que pode ser percebido pelo visitante que, logo na entrada, se depara com painéis no meio da sala dividindo o caminho. À direita, o destaque é para obras coloridas, como A Nobre Arte (2014), que utiliza os pôsteres de boxeadores da produção Quando Éramos Reis (2012) e acrescenta frases irônicas que brincam com a masculinidade e a brutalidade do esporte. Já à esquerda, o preto e o branco dos autorretratos e dos pássaros prevalecem.

“A exposição tem mil chaves de leitura e camadas de importância, mas uma das mais fortes é mesmo esse caráter político”, diz a curadora. Ainda segundo ela, o fato de a Universidade abrir um edital para essas produções culturais, especialmente neste momento de crise, é uma forma que ela tem de se reafirmar como lugar de produção do conhecimento, além de também renovar o museu.

A exposição Vivências por Reflexo, de Rodrigo Linhares, fica em cartaz até 9 de fevereiro de 2020, de terça-feira a domingo, das 10 às 21 horas, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Ibirapuera, em São Paulo). Entrada grátis. 

Por Jornal da USP

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