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Atração da Flip, nigeriano Chigozie Obioma escreve para preservar ancestralidade africana

SÃO PAULO – O nome do escritor nigerino Chigozie Obioma significa, em igbo, “que o meu chi me abençoe”.

– É uma oração – explicou Obioma ao GLOBO por telefone, de Lincoln, no meio-oeste americano, onde vive e ensina literatura na Universidade de Nebraska, enquanto vigiava seu filhinho de três meses, que, naquela tarde, decidira não dormir. Obioma vem ao Brasil participar da 18º Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). que ocorre entre 29 de julho e 2 de agosto e, este ano, homenageia a poeta americana Elizabeth Bishop.

“Chis” são espíritos guardiões ancestrais que, segundo as crenças do povo igbo, encarnam nos homens para guiá-los e protegê-los, mas nunca interferindo em seu livre-arbítrio. Obioma escalou um chi para narrar “Uma orquestra de minorias”, seu segundo romance, publicado no Brasil no ano passado pela Globo Livros. Obioma estreou na ficção em 2015, com “Os pescadores”, romance finalista do Man Booker Prize e editado por aqui em 2016, também pela Globo Livros.

“Uma orquestra de minorias” acompanha a tortuosa jornada de Chinonso, um rapaz enlutado, sem pai nem mãe, que cria galinhas e pensa que, assim como elas, nunca vai voar para muito longe. Um dia, voltando do mercado, Chinonso impede Ndali, uma moça bonita e rica, de se jogar da ponte. Os dois acabam se apaixonando, mas a família de Ndali não quer a filha envolvida com um criador de galinhas sem estudo. Para conquistar o respeito da família de Ndali, e conseguir se casar com ela, Chinoso vende suas terras e se inscreve em uma universidade em Chipre (sim, a ilha mediterrânea). O chi faz o que pode para influenciá-lo a tomar decisões acertadas, mas às vezes fracassa.PUBLICIDADE

Capa de "Uma orquestra de minorias", romance do escritor nigeriano Chigozie Obioma Foto: Reproduçã / Divulgação
Capa de “Uma orquestra de minorias”, romance do escritor nigeriano Chigozie Obioma Foto: Reproduçã / Divulgação

Nascido em 1986, Obioma cresceu em uma Nigéria pós-colonial, falando inglês e lendo Shakespeare, mas ouvindo atentamente as histórias de sua mãe sobre as crenças e as culturas igbo e iorubá. A família da mãe era uma das últimas que ainda praticava religiões africanas e sofria com o preconceito dos vizinhos convertidos ao cristianismo. O pai de Obioma se converteu ao protestantismo quando o filho tinha 10 anos e toda a família, até a mãe, mudou de religião.

Obioma, que se considera um cristão desconfiado, afirma ter escrito “Uma orquestra de minorias” do ponto de vista de um chi para combater “o colonialismo que tenta destruir as religiões ancestrais africanas”.

– Este romance é um ato de preservação cultural. Não é só a história de um criador de galinhas azarado, mas também de uma cultura ancestral que está sendo abandonada à medida a que as pessoas se convertem ao cristianismo e ao islamismo – diz Obioma, que quer conhecer mais sobre as religiões afro-brasileiras e ficou preocupado ao saber dos ataques que elas têm sofrido. – Na Nigéria é a mesma coisa. Quem pratica religiões ancestrais africanas é marginalizado, visto como ignorante, incivilizado ou até adorador do diabo. Os britânicos não nos impuseram apenas um sistema político, mas também a “Bíblia”.PUBLICIDADE

Ancestralidade X tradição ocidental

A “tarefa urgente” de preservar a ancestralidade africana, explica Obioma, não implica recusar a cultura ocidental. Seus livros são prova disso. “Os pescadores”, seu primeiro romance, narra uma década na vida de quatro irmãos atormentados por uma estranha profecia. Um maltrapilho maluco de quem eles zombaram relevou que o primogênito seria assassinado por um dos irmãos mais novos, como na história bíblica de Caim e Abel. Em “Uma orquestra de minorias”, quando Chinonso teme que Ndali o esqueça, o chi o faz lembrar que Penélope continuou amando Odisseu apesar da distância e esperou por ele.

Capa de "Os pescadores", romance do escritor nigeriano Chigozie Obioma Foto: Reprodução / Divulgação
Capa de “Os pescadores”, romance do escritor nigeriano Chigozie Obioma Foto: Reprodução / Divulgação

– Nenhum livro definiu tanto linha infância quanto a “Odisseia” – confessa Obioma, que leu os versos épicos de Homero aos 11 anos. – Não podíamos emprestar a “Odisseia” da biblioteca da escola porque só havia uma cópia. Então, eu passava todos os intervalos na biblioteca lendo a “Odisseia”. Por três meses! Já imaginou dedicar tanto tempo da sua vida à leitura de um único livro?!

Chinonso não é inspirado em Odisseu, mas em um rapaz nigeriano que Obioma conheceu quando estudava em Chipre. Seus pais o enviaram para Chipre porque a universidade católica onde ele estudava na Nigéria ameaçou expulsá-lo por seu ativismo.PUBLICIDADE

– Eu militava pelos direitos humanos, não era comunista nem nada – ri.

Obioma têm esperança de que os conhecimentos ancestrais africanos, uma vez preservados, possam inspirar soluções criativas para os problemas causados por ideologias ocidentais – e não só na Nigéria.

– Hoje todos querem ser como os americanos, mas nossa sociedade pode melhorar se recuperarmos alguns valores dos povos africanos – diz. – Antes dos ingleses, cada família igbo era representava em um conselho local por seus membros mais velhos. Era um governo descentralizado e democrático, e hoje o presidente da Nigéria é poderoso como um rei. Sabe por que os igbos não tinham rei? Por causa da crença de que todo homem é habitado por um chi.

Serviço

“Os pescadores”
Autor: Chigozie Obioma
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 270
Preço: R$ 49,90

“Uma orquestra de minorias”
Autor: Chigozie Obioma
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 456
Preço: R$ 59,90

Por O Globo

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