Elas não estão em grandes fazendas, enfileiradas com seus pares por quilômetros e quilômetros de distância. Apesar de não serem cultivadas em larga escala, elas são igualmente nutritivas e saborosas. Você, afinal, já conhece as PANCs?
A sigla PANC significa Plantas Alimentícias Não Convencionais. Em outras palavras, são todas as plantas “que poderíamos consumir, mas não consumimos”. Elas estão em quase todo lugar, seja na pracinha, na horta, no jardim ou até mesmo nos canteiros da rua. Aos olhos despercebidos, elas são apenas mato. Outros já as veem como objetos de decoração, como flores e plantas ornamentais.
Mas, na verdade, elas têm um enorme potencial de alimentar pessoas e são fontes preciosas de vitaminas, potássio, ferro, proteína, entre outros nutrientes.
Para ter uma ideia: existe no Brasil pelo menos 3 mil espécies de plantas alimentícias já reconhecidas e catalogadas. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no entanto, mostra que, em todo o território nacional, pelo menos 10% da flora nativa é alimentícia, ou seja, de 4 mil a 5 mil plantas que poderiam ser consumidas.
Porém, com a instação de grandes monoculturas e urbanização, nossa alimentação ficou baseada em uma pequena parcela de alimentos. Mais de 50% das calorias que consumimos no mundo provêm de, no máximo, quatro espécies de plantas e 90% dos alimentos consumidos vêm de somente 20 tipos de plantas.
“Mais de 7 mil plantas já fizeram parte da história alimentar, e hoje a gente consome cerca de 150 variedades de plantas por ano, e 60% dessa variedade vêm de produtos principais como arroz, feijão, soja e milho”, explica Bruna de Oliveira, nutricionista e especialista em PANCs.“O mundo tem pelo menos 10% de sua flora comestível, mas a gente faz uso de menos de 1% de todas as possibilidades”, acrescenta.
Em entrevista ao HuffPost Brasil, a nutricionista afirma que as PANCs pode tem múltiplas funcionalidades, sendo utilizadas como ingredientes em receitas, doces, sopas, temperos, sucos, bolos, consumidas por inteiro, cruas, cozidas ou fritas, assim como os alimentos que já conhecemos ― por que, então, elas não são conhecidas?
O termo PANC foi criado em 2008 pelo biólogo Valdely Ferreira Kinupp e se popularizou nos últimos anos entre pessoas que buscam uma alimentação sustentável e vegetariana, uma vez que muitas dessas plantinhas são ricas em proteínas, além de demais nutrientes. Mas, na verdade, essas plantas já eram utilizadas há milhares de anos, segundo Oliveira.
Essas plantas fazem parte da agricultura alimentar de povos indígenas e rurais há séculos, mas elas entraram em desuso com a urbanização e chegada das grandes monoculturas, que limitaram nossa alimentação aos grãos, hortaliças e frutos que têm valor de mercado.Bruna de Oliveira, nutricionista e especialista em PANC
Diferentemente das hortaliças, legumes, grãos, frutas que já consumimos, as PANCs não são cultivadas em larga escala, em monoculturas. Elas podem ser encontradas espontaneamente na natureza, em centros urbanos, em hortas, jardins, ou cultivadas em agriculturas orgânicas ou agroecológicas.
“A produção de PANCs é feita de forma espontânea, sem intervenção do homem, ou em policulturas. Elas fazem parte de uma estrutura ecológica que contribui em diferentes formas, elas se relacionam com o ambiente que nos cerca”, diz a nutricionista.
Assim, plantas deixam de ser PANCs quando elas se tornam produtos do agronegócio; produzidas em larga escala e passam por intervenções como modificação genética, uso de agrotóxicos, fungicidas e adubo artificial.
Comida em qualquer lugar
“Se elas não são produzidas em larga escala, elas não conseguem alimentar uma população.” Isto é o que você provavelmente pensa sobre as PANCs. Porém, a nutricionista Bruna de Oliveira propõe um outro olhar sobre o consumo e a atual produção de alimentos.
“Passar a consumir PANCs é passar a ter uma vida mais ecológica, não pautada por supermercado ou propagandas da TV. Assim que você adquire conhecimento e passa a conviver mais com essas plantas, você deixa de ser refém de redes de supermercados e pode coletar as próprias plantas comestíveis em qualquer lugar.”
A ideia é mesclar uma alimentação com produtos já conhecidos e aprender mais sobre essas plantas alimentícias não convencionais. Uma delas é a bem conhecida Dente-de-leão, que pode ser coletada em locais seguros (que não tenha dejetos de cachorro ou poluição). Você pode comer as folhas e raízes refogadas ou cruas. E as flores podem ser usadas em saladas, em geleias e até à milanesa.
E elas não são só comestíveis. Essa plantinha que muitos torceriam o nariz para comê-la é rica nas vitaminas A, B e C, além de ferro e potássio. Já a Begônia, outro exemplo, é uma planta suculenta e tem flores ornamentais. Mas, na culinária, ela pode ser consumida de diversas formas, desde crua ou cozida até suas flores fervidas com açúcar cristal e usada como cobertura de sorvete.
“Uma chef de cozinha do Pará chamada Tainá Marajoara brinca que as PANCs são plantas alimentícias não colonizadas. Uma brincadeira com a sigla que mostra um sentido interessante: trabalhar com essas plantas é ir contra todo o sistema alimentar, é coletar sua própria comida”, fala Bruna de Oliveira.
Eu sou nutricionista e não tenho vergonha de dizer que sou coletora urbana. Pego minha sacolinha, caminho pelas ruas, praças e condomínios e coleto tudo que é comestível. Sei que estou fazendo bem para mim e não estou degradando o meio ambiente.
Como encontrar PANC?
Quando se fala em PANC não é apenas o matinho da pracinha, mas também alimentos que jogamos fora, mas poderiam ser aproveitados, como a rama da cenoura, as ramas de beterraba, cascas da banana, o coração da bananeira, o caule do mamoeiro e outros alimentos que já fazem parte do nosso dia a dia.
Outras formas de se aproximar das PANCs, segundo a nutricionista Bruna, é frequentar feiras orgânicas e agroecológicas, onde normalmente se encontra maior diversidade de alimentos. “Você pode perguntar ao produtor direto sobre as PANCs, como elas são, para que servem, suas propriedades”, sugere. “Outra fonte inesgotável de conhecimento é a internet. Você pode entrar em grupos nas redes sociais sobre as PANCs.”
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul já fez uma cartilha sobre os diversos tipos de PANC no Brasil, principalmente na região Sul. Também existe o Guia Prático de PANC.
O conhecimento é fundamental para identificar o que é comestível e, principalmente, o que não é. As plantas não devem ser coletadas em qualquer lugar, pois podem ter dejetos de animais, fumaça de carros ou perto de bueiro ou esgoto. “O ideal buscar em jardins e hortas que não tenham animais por perto, ou que sejam em lugares altos”, diz Bruna de Oliveira.
Outra ideia é buscar espaços em que você possa fazer aproximação de forma segura, como as hortas urbanas, feiras de produtores locais ou feiras orgânicas. O Idec (Instituto Brasileiro de Direitos do Consumidor) oferece um mapa com todas as feiras orgânicas em todo o País.
“Você pode desde procurar cenoura com rama e couve-flor com as folhas até buscar uma dessas feiras orgânicas no Brasil e conhecer mais sobre as PANCs direto com os produtores”, conta Bruna.
Para quem mora em cidades grandes e não tem muito tempo para ir à feira, a nutricionista lembra que a boa alimentação deve fazer parte do dia a dia. “Muita gente tem vida corrida, pega trânsito e leva um cotidiano que afasta e isola em relação à natureza, mas precisamos entender que ela depende de mim e eu dependo dela. A gente está tão afastado dessa relação que acaba comendo sempre o que é mais fácil, o que não é saudável”, conta.
Já dizia o ditado que você é o que você come, e o planeta também o que nós comemos. Se come porcaria, você só multiplica coisas ruins para você e para o planeta.
Uma sugestão para começar a investir em pratos mais coloridos e nutritivos, segundo a nutricionista, é participar de hortas comunitárias, hortas nas escolas, buscar agricultores familiares ou mesmo procurar por uma CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura), que é uma organização não-governamental que conecta produtores da sua região e entrega em sua casa produtos saudáveis, orgânicos e frescos ― e, é claro, as PANCs.
A CSA funciona assim: um grupo fixo de consumidores se compromete por um ano (em geral) a cobrir o orçamento anual da produção agrícola. Em contrapartida, os consumidores recebem os alimentos produzidos pelo sítio ou fazenda sem outros custos adicionais.
“As PANCs são uma forma de ressignificar a natureza, mostram que abundância está do nosso lado, mesmo para quem mora em uma cidade como São Paulo, cheia de cimento. Quando vejo uma serralha ou erva pepino, que pode ser comida, é algo que me preenche por dentro. Elas são estratégias de saúde por meio da alimentação e podem ser protagonistas no prato de qualquer um”, finaliza Bruna.